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'Messias negro', maconha e poligamia: como é a religião de Bob Marley

O músico jamaicano Bob Marley, em foto de 1976 Imagem: AFP PHOTO

De Splash, em São Paulo

01/03/2024 04h00Atualizada em 01/03/2024 09h53

O filme "Bob Marley: One Love" narra a história da lenda do reggae e também traz à tona o rastafári, religião seguida pelo cantor, e influencia até hoje muito do gênero musical jamaicano. O rastafári tem origem jamaicana, mas com influências africanas (especificamente da Etiópia) e cristãs.

Origens do rastafári

A religião rastafári foi fundada na década de 1930 como parte de uma profecia do ativista Marcus Garvey. Participante do movimento negro dos EUA e da Jamaica, ele profetizou, segundo a crença: "Olhem para a África! Quando um rei negro for coroado, o dia do livramento está próximo".

Nesta época, Ras Tafari Makonnen (Ras significa príncipe; daí vem o nome rastafári) se torna imperador da Etiópia —país africano que não foi colonizado. Ele escolheu o nome de Haile Selassie 1º e foi nomeado pela Igreja Ortodoxa Etíope como "Rei dos Reis, Senhor dos Senhores e Conquistador da Tribo de Judá" —títulos esperados de um salvador.

Haile Selassie, imperador da Etiópia Imagem: Wikimedia Commons

O jamaicano Leonard Howell é considerado o fundador da religião, ao fazer essa conexão da profecia de Marcus Garvey com a coroação de Haile Selassie 1º, na Etiópia. O imperador passa a ser considerado Jah, o Deus encarnado. Howell cria a primeira comunidade rastafári de que se tem notícia, onde as pessoas são autossuficientes e evitam o contato com a "Babilônia" (sociedade capitalista).

A religião virou uma forma de resistência, libertação do colonialismo e de volta à África na Jamaica. Alguns seguidores, inclusive, preferem chamar o rastafári não de religião, mas de um estilo de vida. A Jamaica foi um país colonizado pela Coroa Britânica, em que a maioria da população negra era escravizada e dominada por uma minoria branca.

A base é crer que Haile Selassie é realmente o Messias negro e que veio salvar a população africana da diáspora da opressão, daquilo que eles chamam de Babilônia. Para eles, a Babilônia representa um símbolo da cultura capitalista, escravagista e que se acha superior. Debora Pamplona, professora da UFC (Universidade Federal do Ceará) e autora de tese de doutorado sobre a religião rastafári

Selassie convidou jamaicanos a retornar para o continente e viver na Etiópia, considerada Sião, a terra prometida para os rastafáris. Em vida, o imperador chegou a doar terrenos para que rastafáris lá vivessem. Apesar disso, ele negou ser Deus encarnado em entrevistas.

Cristão, Haile Selassie (à esquerda) negou que fosse imortal, mas continua sendo adorado pelos rastafáris Imagem: AFP

A religião rastafári não é centralizada. Há fiéis mais conservadores que vivem em comunidades autossuficientes, que plantam aquilo que comem, e outros, mais liberais, que apenas seguem de forma individual, evitando os perigos da Babilônia. Haile Selassie dizia que a "fé é privada" e que não deveria ter intermediários.

Em comum, os seguidores da religião buscam uma conexão com a natureza (evitando uso de itens artificiais e priorizando a alimentação natural), consomem maconha (como forma de elevação espiritual e tratamento de enfermidades) e rejeitam a Babilônia.

Em algumas comunidades é comum que haja poligamia (Bob Marley teve 12 filhos com diferentes parceiras). Também há membros que não cortam o cabelo e até locais em que as mulheres menstruadas ficam separadas dos homens —isso ocorre por uma interpretação do Antigo Testamento que diz que "quando uma mulher tiver o fluxo de sangue da menstruação, ficará impura por sete dias, e quem nela tocar ficará impuro até o entardecer".

Os dreadlocks são uma característica de boa parte do movimento. O uso do cabelo e barbas grandes, sem cortar e muitas vezes sem pentear, é também inspirado no Antigo Testamento e uma forma de resistência cultural.

Outra característica da filosofia rastafári é recorrer ao que a terra oferece para curar. "Eles se curam com chás, com a ganja. Não precisam de coisas da Babilônia", explica Debora.

Apesar da importância para a Jamaica, a religião rastafári é seguida por 1,1% da população. A maioria da população (cerca de 65%) é protestante.

E o reggae? E Bob Marley?

Rastafáris desenvolveram um ritmo próprio chamado Nyabinghi. Ele é tocado em vigílias com diversos tambores. Nessa celebração, são feitas orações e há o consumo de ganja (a maconha).

O reggae é um gênero totalmente baseado no toque Nyabinghi. O que o Bob Marley fez foi colocar guitarra, baixo e outros elementos. E as músicas falam justamente das crenças rastafári, como a crítica à Babilônia e menções a Jah.
Debora Pamplona

Bob Marley acabou sendo o maior ícone da religião rastafári. Também foi o grande propagador da religião por meio da sua música e vida.

Morte de Bob Marley

O cantor foi diagnosticado com melanoma (câncer de pele) no dedão do pé enquanto estava no Reino Unido. O caso era grave a ponto de o médico ter sugerido a amputação do membro para que não se espalhasse pelo corpo. Ele tinha um melanoma acral, um câncer de pele que não é causado por exposição ao sol e com maior incidência na população negra.

A amputação é para ter uma margem de segurança, pois esse é um melanoma extremamente agressivo e que se dissemina rapidamente pelo corpo. Mesmo hoje em dia, a recomendação seria essa, pois nem com a evolução da ciência seria possível tratar apenas com radioterapia ou quimioterapia.
Veridiana Camargo, oncologista do hospital Beneficência Portuguesa

Ele se recusou a fazer o procedimento e recorreu a terapias alternativas. Diferentes fontes dizem que ele não quis amputar por questões religiosas, enquanto outras dizem que Bob estava com medo de que comprometesse seu desempenho nos palcos e o impedisse de jogar futebol. Ele chegou a se submeter à radioterapia, mas sem sucesso, e morreu em maio de 1981, aos 36 anos.

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