Com mensagens políticas e som ruim, Sepultura faz show histórico em BH
Várias expectativas foram criadas para o show do Sepultura em Belo Horizonte nesta sexta-feira (1º), no Arena Hall. Primeiro, por ser o início da turnê "Celebrating Live Through Death", que marca a despedida do grupo dos palcos e tem previsão para durar 18 meses, com datas em mais sete cidades brasileiras e outros 20 países além do Brasil.
Segundo, por BH ter sido onde a banda surgiu, há 40 anos, para se tornar a banda brasileira de rock mais bem sucedida da história. Por fim, pela presença do baterista norte-americano Greyson Nekrutman, de apenas 21 anos, que encarou a árdua missão de substituir Eloy Casagrande, que teve sua saída anunciada do quarteto às vésperas do show.
Pois o público — que esgotou os ingressos para a apresentação — certamente teve várias dessas expectativas atendidas no show. Junto do novo membro, o guitarrista Andreas Kisser, o baixista Paulo Jr. e o vocalista Derrick Green subiram ao palco para provar que entendem muito bem o impacto que a "morte consciente e planejada" da banda, anunciada no fim do ano passado, causa nos fãs.
Ao longo de quase duas horas, o grupo deu provas de que sabe muito bem o seu tamanho na música brasileira e mundial e que seu legado não só seguirá vivo, como ainda se mantém atual.
A prova disso é que o Sepultura abriu seu show em um claro recado criticando o atual confronto entre Israel e Hamas, com três canções do clássico "Chaos AD", de 1993: "Refuse/Resist", "Territory" (que teve clipe gravado na Palestina) e "Slave New World". Completava a mensagem — mais clara, impossível — a camisa de Paulo, que trazia estampada a expressão "Stop Wars".
A sequência também foi um teste de fogo para o novato Greyson, já que "Chaos AD" marca o início da percussão tribal que se tornaria marca registrada da banda no disco seguinte, "Roots" (1996). Mesmo visivelmente nervoso com a estreia e com uma configuração de bateria econômica, com um bumbo só, o novo instrumentista deu conta do recado, conseguiu imprimir personalidade própria nas músicas da banda — apesar de uma derrapada no fim do show — e chegou a ser ovacionado diversas vezes pelo público, que também proferia, em um tom entre verdade e brincadeira, ofensas ressentidas contra Eloy Casagrande.
À medida que o setlist avançava, ficava claro que o Sepultura pretendia passar a carreira a limpo. Foram sendo alternados clássicos como "Atittude", "Kaiowas" e "Cut-Throat" com faixas que andavam sumidas das apresentações, como "Choke" e "Mind War", além de novidades do último disco, "Quadra", de 2020, como a excelente "Guardians of Earth", com uma mensagem de alerta contra as mudanças climáticas e com Andreas Kisser, um dos grandes guitarristas do mundo, esbanjando virtuosismo no violão.
Nem todos os álbuns da banda, porém, foram privilegiados no setlist. Acabaram ficando totalmente de fora músicas dos clássicos "Bestial Devastation" (1985) e "Beneath the Remains" (1988) — que contém o hit "Innerself", um dos preferidos dos fãs —, e os mais atuais "A-Lex" (2009) e "The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart" (2013). No total, das 22 faixas apresentadas, metade foi da fase com Max Cavalera, e a outra metade da fase com Derrick Green, que substituiu o fundador da banda nos vocais em 1997.
Historicamente ruim, o som da casa de shows foi um ponto negativo e chegou a arriscar o sucesso da apresentação. No geral, o volume de tudo estava baixo — principalmente o microfone de Derrick —, e várias músicas chegaram a ficar "emboladas", principalmente nos momentos mais rápidos. Em faixas um pouco mais trabalhadas, isso chegou a ser um problema, principalmente para quem estava nas arquibancadas e nos fundos do Arena Hall.
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Quero receberMas como o Sepultura jogava em casa, o quarteto sabia que tinha o público na mão. O som ruim e as ausências no repertório (músicas como "Desperate Cry" e "Propaganda" também ficaram de fora) não foram problema para os fãs, que cantaram boa parte do repertório em uníssono, pularam, agitaram e entregaram de volta para a banda uma energia apoteótica, que se transformou em lágrimas — principalmente de Derrick e de Andreas. Normalmente tímido no palco, o baixista Paulo Jr. — único mineiro remanescente no grupo — mostrava uma empolgação imensa.
Como BH é a cidade natal da banda, existia ainda o desejo do público de um show nos moldes das apresentações de despedida recentes de outros gigantes mineiros da música, MIlton Nascimento e Skank, que tiveram setlists enormes e a presença de convidados. Antes do início da apresentação, falava-se entre o público de participações especiais de amigos que marcaram a história do Sepultura, como Silvio "Bibika" Gomes, espécie de quinto membro do grupo, ou de Vladimir Korg (Chakal, The Mist), responsável por indicar a banda à gravadora Cogumelo.
Mas não houve nem a tradicional presença do ex-guitarrista Jairo Guedez — que gravou os dois primeiros discos do grupo — tocando a clássica "Troops of Doom", ficando mesmo a cargo de Andreas, Derrick, Paulo e Greyson a missão de celebrar e encerrar juntos a trajetória de 40 anos.
No fim, após a sequência dos clássicos absolutos "Ratamahatta" (em que Greyson se atrapalhou e confundiu o tempo da música) e "Roots Bloody Roots" (que fez o chão do ginásio literalmente tremer), o público saiu com sorriso no rosto, deixando claro o saldo positivo, e com a sensação de ter presenciado uma apresentação histórica, com o início do fim da trajetória da banda sendo marcado na cidade onde ela nasceu.
Mas eles também saíram com uma dúvida: será que o Sepultura ainda volta, ao fim da turnê, para uma despedida com convidados, setlist maior e tudo que os fãs têm direito? Em no máximo 18 meses, os metaleiros mineiros terão suas respostas.
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