Contra soco no nariz ou passada de mão, shows punk fazem roda para mulheres
Nesta, terça (5), o Bikini Kill, importante banda punk, se apresenta na Audio, em São Paulo. O Brasil está ao lado de México, Argentina, Chile e Peru entre os países da América Latina que recebem o grupo nesta primeira turnê desde a sua volta, em 2019. Formado em 1990, em Olympia, Washington (EUA), o Bikini Kill é lendário por ser pioneiro do movimento riot girrrl, que incendiou a cena com feminismo e fúria e influenciou toda uma geração.
Uma das atitudes de Kathleen Hanna e cia. que ficaram como legado foi tirar os meninos da frente do palco e liberar a pista para uma roda feminina. Mais de 30 anos depois, o cenário punk ainda não é um lugar de igualdade e respeito e essa atitude continua sendo necessária para garantir que elas vivam a experiência com liberdade e segurança. As rodas punk também conhecidas como mosh pit ou roda de pogo representam o ponto alto do show punk. É o momento em que a música pode ser vivenciada com o corpo inteiro. Para algumas mulheres, essa experiência esbarra no medo.
A técnica de enfermagem, Michelle Silva, 33 anos, que mora em Recife, conta que já sofreu violência. "Uma vez eu estava numa roda e me afastei para tentar sair, quando vi um cara que vinha rodando o braço, sem necessidade, e deu um soco no meu nariz. Não quebrou por muito pouco", recorda.
Foi em Pernambuco que há 14 anos a banda Devotos instituiu a roda feminina nos seus shows, inspirando outras bandas pelo país, como Baiana System.
O vocalista Cannibal conta que desde o início, em 1988, já era possível perceber o receio das mulheres em se aproximar do palco e entrar nas rodas. Entravam três ou quatro mulheres no máximo. Mas, só em 2010, durante um show natalino no Recife, ele decidiu organizar a primeira roda punk só delas. "Foi foda! Surgiram meninas de todos os lugares do show para participar e aí a gente viu que tinha a necessidade de fazer a roda de mulheres em todas as apresentações."
O vocalista do Devotos lembra da atitude no Bikini Kill nos anos 90: "Achava sensacional o fato delas brigarem pela presença das mulheres na frente do palco, nas rodas e para que elas conhecessem as letras das músicas através dos fanzines que eram distribuídos nos shows."
A fotógrafa Thalyta Tavares, 26 anos, de Paulista, na Grande Recife, fotografa a cena punk há dez anos e, além de registrar a vibração e energia dos shows, já flagrou muitas agressões. "Eu já vi homens passando a mão nas mulheres e até mesmo retirando elas da roda."
A percussionista, Samantha Souza, 42 anos, participa de rodas punk desde os anos 90, época em que só existiam rodas mistas. Para ela, as rodas punks femininas encorajaram muitas mulheres a aderirem ao movimento. "Existe uma maior adesão porque elas veem que é um lugar mais confortável e divertido", avalia.
A iniciativa da Devotos inspirou outras bandas e as rodas punk femininas se multiplicaram pelo Brasil. A banda mineira Black Pantera, por exemplo, hoje estimula até três rodas femininas em cada show. No Rock in Rio 2022, o grupo recebeu a Devotos no palco e organizou uma das maiores rodas de mulheres do Brasil. "Quando a gente viu que elas se sentiam representadas, passamos a tornar as rodas femininas uma regra", explica o baixista Chaene da Gama.
Chaene relembra que o Bikini Kill esteve entre as referências do grupo, logo no início da carreira, pois toda a cena punk reconhecia a relevância delas para as mulheres no punk. No entanto, ele frisa, as bandas de punk protagonizadas por músicos pretos tiveram um peso maior na formação da banda.
Para a vocalista da Banda Odiosa, Luisa Cunha, criar rodas femininas não basta. Ela defende uma maior representação das mulheres em bandas punk. Surgida em 2017, no bairro do Pina, Zona Sul do Recife, a Odiosa aborda temas sociais em seus shows e é uma das poucas bandas punks lideradas por uma mulher.
O grupo considera a banda Bikini Kill uma grande referência por defender ainda nos anos 90 o protagonismo das mulheres. "É preciso que surjam novas bandas punk lideradas por mulheres para elas serem protagonistas. Nesses 7 anos da nossa existência, o nosso público é majoritariamente feminino, elas se sentem representadas", conclui.
Bikini Kill
Dias 5/3 (esgotado) e 14/3
Audio Clube (Av. Francisco Matarazzo, 694 - Água Branca
Abertura da casa: 18h
Ingressos: Ticket360 (https://www.ticket360.com.br/evento/28233/ingressos-para-bikini-kill-data-extra)
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