'Era muito comum ouvir choro na equipe', conta diretor de doc sobre Ninho
A Netflix lança quinta (14) o documentário "O Ninho: Futebol & Tragédia", sobre o incêndio no centro de treinamento do Flamengo que matou dez crianças em 2019. Baseada em uma ideia original do UOL e com produção da Fábrica, a série tem três episódios.
Pedro Asbeg assina a direção. Ele já tem no currículo outras produções sobre futebol, como "Democracia em Preto e Branco", que revê a relação Corinthians, política e rock'n'roll, e "Geraldinos", em que conta quem eram os torcedores da geral do Maracanã.
Em "O Ninho", Asbeg expõe o sofrimento dos familiares das vítimas e sua luta por justiça, além de revelar o futuro de sobreviventes e reunir depoimentos de testemunhas, jornalistas e personalidades do futebol.
Em entrevista a Splash, o documentarista conta que humanizar a tragédia era um dos grandes objetivos desde o início. "A gente já tinha claro esse olhar de dar nome e rosto para as pessoas que viveram aquilo, sejam pais e mães de meninos que morreram naquela noite, sejam sobreviventes."
Wendel Alves e Felipe Chrysman são dois dos 16 sobreviventes que toparam falar ao documentário. A maioria preferiu ficar de fora, alguns desistiram pouco antes das gravações. "Cada um sabe como lidar com a tristeza, com a dor", avalia Asbeg. "Fiquei feliz porque o Wendel e o Filipão toparam participar. São dois meninos muito legais, torço muito pela carreira deles, assim como torço também pela carreira de todos os outros sobreviventes."
Asbeg conta que o contato com as famílias foi uma das questões mais delicadas do processo. Reunir a equipe antes da primeira gravação e conversar sobre a dureza do que eles iriam viver e a necessidade do respeito pela dor das pessoas foi um dos cuidados que ele teve, mas não foi suficiente para evitar emoção e dor.
Era muito comum ouvir choros da equipe enquanto a gente estava fazendo entrevistas, porque eram relatos muito dolorosos. [...] Qualquer um que consiga se colocar no lugar do outro sente a dor e vê que é algo dilacerante. Pedro Asbeg, diretor de "O Ninho: Futebol e Tragédia"
Para o diretor, outro desafio no caminho foi a dimensão do projeto. "É uma história que mobiliza muita gente. Estamos falando da maior torcida do Brasil, de 45 milhões de pessoas, do esporte mais popular do país e da morte de dez meninos. Tem o cuidado com as informações, tem o olhar cinematográfico e, talvez o maior cuidado, com as famílias: como contar essa história de maneira sensível e respeitosa equilibrando tudo isso."
O Flamengo foi procurado, mas não se manifestou no documentário. Para Asbeg, a falta de resposta já é uma resposta: "O clube preferiu não se posicionar institucionalmente. Abrir mão de dar uma entrevista, de dar sua versão, de dar o seu olhar, também é se posicionar."
Dramatização x cenas reais
"O Ninho" traz cenas reais do incêndio misturadas a dramatizações. Segundo Asbeg, esse recurso foi necessário para aproximar e emocionar o espectador. "O que a gente tinha [de imagens do incêndio] foi usado. Filmagens dos vizinhos, de helicóptero depois do incêndio, imagens de câmera de segurança. Mas a gente precisava ter mais força, mais impacto."
Porém as encenações passaram por um crivo ético e estético rigoroso, diz o diretor. "Era necessário um cuidado gigantesco para decidir o que mostrar, o que não mostrar, o que deixar subentendido."
A produção decidiu excluir informações, como alguns depoimentos de testemunhas e detalhes de documentos do IML. "Não acho que faria diferença para o espectador, mas faria uma grande diferença para as famílias. Foram várias escolhas pensando no cuidado que precisamos ter constantemente com quem vai assistir, sejam pessoas que viveram diretamente essa tragédia, sejam pessoas que podem ter vivido coisa similar ou que simplesmente não querem ver aquilo."
O diretor diz esperar que o documentário mobilize uma busca por justiça. "Que a gente entenda que o processo de indenização das famílias é importantíssimo, mas não é o único processo que precisa ser vivido nessa tragédia.
As famílias precisam receber suas indenizações, mas precisam ver que vai haver responsabilização. [...] O processo precisa ser concluído, pessoas precisam ser responsabilizadas e ele não pode prescrever. Além de tudo, existe o risco de prescrever. O processo precisa ser concluído, e a justiça precisa ser feita.
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Outra repercussão que Asbeg espera é que torcedores de times rivais se sensibilizem e parem de usar a tragédia para atacar os flamenguistas. "É triste e inacreditável. Outro dia, li uma pessoa no Twitter que falava 'Forninho do Urubu'. Teve um Fla-Flu em que o goleiro do Flamengo jogou muito bem. Veio um tweet: 'Bem que ele poderia ter morrido naquele incêndio."
Quero acreditar que pessoas que escrevem esse tipo de coisa sejam minimamente tocadas e transformadas a partir do contato que vão ter com as famílias desses meninos, tenham olhar um pouquinho mais humano. [...] Isso não é um material para rivalidade de futebol. Então, se tudo der certo, esse trabalho pode transformar pessoas e o caso em si.
Flamenguista, Asbeg não vê abalada sua relação com o time após a imersão no assunto e a conclusão do documentário. "A busca é por responsáveis humanos. O Flamengo é uma entidade, uma coisa que não tem dono. [...] Eu não deixei de ser Flamengo ou sou menos Flamengo por causa disso, mas principalmente por isso quero ainda mais que o caso seja divulgado e que exista justiça. Vou ficar feliz como rubro-negro e como cidadão."
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