OPINIÃO
Placebo se conecta com público e faz show memorável sem celular em SP
Bruna Monteiro de Barros
De Splash, em São Paulo
18/03/2024 15h02
Fazia dez anos que o Placebo não se apresentava em São Paulo quando eles subiram ao palco do Espaço Unimed às 20h03 deste domingo (17). "Muitos de vocês não eram nem nascidos", brincou um Brian Molko inspirado, bem diferente do vocalista blasé de poucos amigos que os paulistanos encontraram em 2014.
A grande diferença de lá pra cá é que a banda britânica resolveu falar sobre o que achava tóxico, pediu que a plateia tirasse os celulares da relação e se entregasse ao momento; o público entendeu e a mágica aconteceu.
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O primeiro grande ato veio logo na segunda música, "Beautiful James". Quando a bela e marcante voz metálica de Molko lembra que "everybody lies one hundred times a day", vê-se que a galera conhece a letra e quer cantar junto.
A faixa é do último disco, "Never Let Me Go" (2022), que dá o tom do show, com 10 das 22 canções do repertório (mesmo número de 2014, coincidência?). A letra fala sobre o amor fora da heteronormatividade, um tema caro à história do Placebo.
Se em 1996 Molko e seu parceiro de banda, o multi-instrumentista Stefan Olsdal, se apresentavam de vestido e maquiagem e eram vanguarda ao tratar de não binariedade, hoje a bandeira é mais concreta. É a bandeira trans nas cores azul, rosa e branca enrolada sobre os ombros do vocalista no final do show.
Apesar de ainda sonhar com o dia em que o amor de James não será um incômodo para a sociedade, é o apocalipse climático e como a humanidade vai se apoiar durante a ruína que tem habitado o imaginário do Placebo.
E, como Molko disse uma vez ao Guardian, com muito exagero. "Gosto de aumentar o máximo o efeito dramático para que as pessoas vejam o quão ridícula é a nossa realidade." E faz isso com muita maestria. Com uma banda de apoio monstro —com bateria, teclado, sintetizador, piano, violino e dois guitarristas/baixistas se revezando com Olsdal—, o duo entregou um rock alternativo maduro, moderno e potente.
E por maduro entenda-se aquela banda que se permite avançar com a verdade que lhe cabe naquele momento, deixando para trás hits certeiros. Frustrou-se quem foi ao show esperando as clássicas "Nancy Boy" (1996), "Pure Morning" (1998) ou "Every You Every Me" (1998).
Nesta turnê, só uma música é de antes dos anos 2000, "Bionic", do primeiro disco, que trata ou de sexo robótico ou com dildo (há controvérsias). Isso porque para Molko tornou-se sufocante ter que reiterar canções escritas aos 20 anos de idade.
Na falta dos grandes hits, o ponto mais alto ficou com "The Bitter End", do disco 'Slepping With Ghosts" (2003). Todas as gerações cantaram juntas e bateram muitas as palmas. Alguns celulares foram sacados para short vídeos (abafa!).
Ela fez parte de uma sequência matadora alto astral de cinco músicas, que começou com "For What It's Worth" e terminou com "Infra-Red", recheada de efeitos e que encerrou o show antes do bis.
Das três faixas da volta, destaque especialíssimo para "Running Up That Hill", de Kate Bush, do álbum de covers que a banda gravou em 2003. A célebre versão é muito emocionante. A voz de Molko é perfeita para ela. Os arranjos são delicados e potentes ao mesmo tempo.
Ao final, um festival de distorções de som e imagens aperta a mente da galera. A dupla se despede com sorrisos. A galera vai embora sem stories, mas com seu HD interno lotado de memória.
Memórias de um show que não teve momento ruim e não parou um segundo para respirar. Memórias como a hora da música triste que virou alegre —"Happy Birthday in the Sky" é usada para homenagear gente que morreu, mas em São Paulo celebrou o aniversário de um membro da banda ("Faz 23 anos, mas parece mais velho por causa da metanfetamina", brincou Molko). Ou como o "fuck the government" com o dedo do meio em "Soulmate".
Memórias como Olsdal tocando o piano branco em "To Many Friends" ou o público sendo irônico com a melodia alegre e pop embalando o fim do mundo em "Try Better Next Time". Memórias com Olsdal agitando a galera como moleque e Molko indo de canto a canto do palco mostrar seus dotes na guitarra.
Memórias para nos lembrar que um mundo sem celular é possível, como queria o Placebo demonstrar.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL