'Deus soprou o algoritmo': quem é Kailane Frauches, voz da geração 'Z-sus'
"Passa lá em casa Jesus" entrou, no início de maio, na lista semanal das dez músicas mais tocadas do YouTube no Brasil, à frente de hits de Ana Castela e Ivete Sangalo. O sucesso gospel mudou a vida de Kailane Frauches, 20.
Ela é destaque de uma geração que canta louvor com voz grave de adulto e sagacidade digital de adolescente. São 58 milhões de plays do hit no YouTube: "Há pouco tempo eu gravava no meio do mato", conta.
"Acredito que Deus deu um sopro nesse algoritmo. Os vídeos começaram a viralizar de forma que eu não imaginava."
A nova estrela cristã canta desde os 3 anos, com apoio do pai, mecânico de bicicleta, e da mãe, empregada doméstica.
Há dois anos, Kailane gravava vídeos cantando, enquanto passeava na zona rural de Xerém, distrito de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Postava tudo no Instagram.
"Sou nascida e criada na Assembleia de Deus. Com 3 anos fazia karaokê evangélico. Subia na varanda de casa e cantava Fernanda Brum e Damares. Fazia a escova de cabelo de microfone", conta.
Os convites para festas e igrejas se espalharam. "Nossa condição sempre foi humilde. A gente ia fazer show num Fiat Palio branco, guerreiro. Ele sempre quebrava, dava problema no motor. Eu orava para o Senhor restaurar aquele carro."
Durante a pandemia, Kailane pedia para a mãe filmá-la cantando. "Eu falava: como vou divulgar minha filha? Com o pouco que eu tinha saía com ela pelo bairro", lembra Edna Frauches, 42 anos.
No fim de maio, a cantora embarcou em sua primeira viagem ao exterior, para se apresentar em Massachusetts, nos Estados Unidos.
A mãe vê uma missão divina.
"Kailane é um milagre. Antes de ela nascer, tive bebês gêmeos que não sobreviveram. Os médicos falaram que eu não podia ter filhos. Quatro meses depois estava grávida. Pus a mão na barriga e falei: 'Esse feto no meu ventre vai ser para o Senhor'."
'Geração Z-sus'
O hit de Kailane é fruto de insistência pessoal, mas também de uma virada na indústria gospel brasileira.
O mercado cristão sofreu menos com a pirataria de músicas que derrubou a indústria secular no início dos anos 2000.
Por isso, demorou a largar os CDs e, finalmente, investir numa nova realidade: serviços digitais como YouTube e Spotify, que cresceram.
Neste êxodo digital tardio, o perfil de artistas também mudou: são jovens que dominam as redes e dependem menos da ligação com uma igreja específica.
"As coisas começam a ficar descentralizadas, muitos cantores eram influenciadores digitais antes de iniciarem a carreira, já nasceram nas redes", descreve Olívia Bandeira, autora do livro "Música Gospel: disputas e negociações em torno da identidade evangélica no Brasil".
A lista de músicas mais ouvidas do Brasil está cheia de cantoras muito jovens que, como Kailane, ascenderam à base de covers no Instagram e trends cristãs no TikTok.
É o caso também de Isadora Pompeo, Valesca Mayssa e Maria Marçal. Dá para chamá-los de "Geração Z do Gospel".
Pentecostal pop
Kailane entrou no elenco da Todah, gravadora gospel de São Paulo que cresceu com foco em artistas novos e em vídeos no YouTube, com mais de 3,2 bilhões de plays no site.
"A gente vinha do mercado de CDs. Os artistas antigos não queriam fazer clipes para nosso canal. A alternativa foi descobrir novos talentos", diz Giovani Mandelli, diretor de marketing da Todah.
A empresa é focada no pentecostal, vertente popular do gospel. Os ritmos vêm do forró e do sertanejo. As letras têm imagens bíblicas fortes, de tempestade e fogo. Os vocais são intensos, teatrais.
A nova geração renova a estética pentecostal de cabelos e saias longas, camisas e sapatos sociais.
"Chegaram esses adolescentes com um tênis Adidas aqui, um iPhone ali, colarzinho no pescoço. Chamo de 'pentecostal pop'", diz Giovanni.
"Nosso público vem das classes C e D. Ele tem uma vida difícil e encontra força nas músicas que ouve com fervor. Os fãs de pentecostal transformam cantores em ídolos em 30 dias, é impressionante", descreve.
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