Montenegro revela torcida inusitada de astro no Oscar: 'Nós dois perdemos'
Faz 25 anos que uma derrota machuca o povo brasileiro. O ano era 1999 e "Central do Brasil" concorria ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, mas os olhos de todo o país estavam focados em outra categoria, a de Melhor Atriz. Fernanda Montenegro, um dos nomes mais queridos do cinema nacional, concorria a um dos prêmios mais importantes do universo cinematográfico. No entanto, o Brasil saiu de mãos abanando.
O italiano "A Vida É Bela" saiu vitorioso e, para a eterna negação do brasileiro, Gwyneth Paltrow "roubou" o Oscar de Montenegro pela atuação em "Shakespeare Apaixonado".
Em entrevista exclusiva a Splash, Fernanda Montenegro fala do prêmio sem tristeza; ao contrário: a atriz vê como um momento bastante importante de sua carreira. "Foi e ainda é uma experiência bonita e importante. A concorrência, no que diz respeito a mim, como atriz latino-americana, era jupiteriana."
Durante o prêmio, ela recebeu a torcida de Ian McKellen, ator inglês que também concorria ao Oscar naquele ano, mas pela atuação em "Deuses e Monstros". "O grande e celebrado ator inglês Ian McKellen, concorrendo ao Oscar nessa mesma premiação, chegou até mim e, sério, falou — 'espero, sinceramente, que você ganhe o Oscar'. Respondi — 'eu espero, também, que você ganhe'. Nós dois perdemos. Se esse referencial artístico, inglês, não levou, imagine!", conta humildemente a atriz.
No geral, Fernanda Montenegro tem boas lembranças da cerimônia. "O Oscar, do qual participei, foi uma festa imensa. Descomunal."
Vinícius de Oliveira, ator que interpretou o pobre garoto Josué e trabalhou ao lado de Montenegro no longa dirigido por Walter Salles, também recorda a premiação, mas com um sabor amargo. "Nunca perdoei o fato da Fernanda não ter ganhado o Oscar. Isso para mim é mais dolorido do que o filme em si, porque tínhamos grandes concorrentes, o próprio a 'Vida é Bela'. Ele fala de holocausto, assunto importante e tem destaque no Oscar."
Já a Fernanda Montenegro? É duro perder para uma atriz fraca em um papel fraco. O papel da Fernanda no 'Central do Brasil' é algo extraordinário.
Vinícius de Oliveira
Revolta à parte, Oliveira gostou bastante de ter comparecido à cerimônia do Oscar, mesmo sendo apenas uma criança e não entendendo realmente a dimensão do prêmio. "Comemorei quando foi anunciado que concorreríamos, mas como era moleque, não sabia da dimensão do que era o Oscar. A maior alegria foi saber que eu viajaria para os Estados Unidos, em Los Angeles, e ver diversos artistas que eu admirava."
"Central do Brasil"
O filme acompanha Dora (Montenegro), uma mulher que trabalha escrevendo cartas para analfabetos na estação Central do Brasil, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Ainda que a escrivã não envie todas as cartas que escreve — as cartas que considera inúteis ou fantasiosas demais —, ela decide ajudar um menino (Vinícius de Oliveira), após sua mãe ser atropelada, a tentar encontrar o pai que nunca conheceu, no interior do Nordeste.
A Splash, Fernanda Montenegro relembra a produção do filme. "Há sempre uma sadia ambição humana e artística quando temos um projeto de realização a serviço da nossa vocação inarredável. Walter Salles e eu já tínhamos tido contatos para filmagens no passado, que não aconteceram."
Nós nos reencontramos no projeto 'Central do Brasil'. Aceitei com muito prazer fazer parte dessa produção. Sempre admirei a criação celular, intimista, extremamente honesta de seus filmes.
Fernanda Montenegro
A atriz se emocionou ao ler o roteiro do longa pela primeira vez. "Aceitei fazer parte desse projeto tão apaixonante. Mas, essa produção não teria acontecido se o menino, Vinícius de Oliveira, não tivesse sido encontrado. Foi uma filmagem votiva."
Para Montenegro, o filme vive na memória do espectador brasileiro. "É uma temática mostrando que mesmo diante do abandono social, o ser humano sobrevive pela coragem e fé na própria vida. É uma saga de resistência. Walter Salles é um cineasta comovedoramente sensibilizador."
Vinícius de Oliveira tem a mesma visão da atriz, e conta que, 25 anos depois, fala com pessoas que revelam sobre como a produção mudou vidas. "Volta e meia encontro alguém que me diz que 'Central do Brasil' foi o que levou a pessoa a trabalhar com cinema. É um orgulho muito grande", conclui.