Veruska Donato: 'Tenho pesadelos com a Globo quase toda semana'
Veruska Donato, 51, estava em um cruzamento da Avenida Brasil, em São Paulo, quando "travou" no meio da rua. A jornalista, que à época trabalhava na Globo, não lembrava para onde deveria ir. Foi quando ligou para o chefe e desabou ao telefone.
Nos dias seguintes, eu fui passar o meu crachá [na catraca da emissora] e comecei a chorar. Era uma tristeza, uma tristeza. Eu falava: 'O que está acontecendo? Eu gosto de ser jornalista, eu gosto de ser repórter. O que está acontecendo comigo?' Veruska Donato, ex-repórter da Globo
Ela foi diagnosticada com síndrome de burnout — distúrbio emocional resultante do estresse crônico no local de trabalho. Agora, cerca de três anos depois, o canal da família Marinho foi condenado pela Justiça do Trabalho por impor um "padrão de beleza" e contribuir de forma subjetiva para a "existência da doença do trabalho".
Procurada por Splash, a emissora informou que não comenta casos sub judice. A empresa reiterou, no entanto, que mantém um código de ética "em linha com as melhores práticas atualmente adotadas" e que oferece treinamentos constantes para manter um "ambiente de trabalho saudável" [leia a nota completa abaixo].
Em entrevista exclusiva à reportagem, Veruska conta detalhes do ambiente de trabalho, os primeiros sintomas, os motivos que a levaram deixar a emissora em 2021 — após ficar 77 dias afastada por recomendação médica — e as consequências práticas e emocionais do processo que abriu contra a emissora.
Tenho pesadelos com a Globo quase toda semana. Tenho pesadelos horríveis [...] Sonho que estou contratada, trabalhando na empresa ainda, e aí, quando chego com o meu material para botar no ar, eles dizem: 'Não, mas você não trabalha mais aqui'. É tudo muito confuso. Fico sem casa, começo a passar fome, não arrumo mais emprego em lugar nenhum, porque é mais ou menos isso que aconteceu.
A profissional sente que houve uma redução nas ofertas de trabalho após a ação. A jornalista diz, entre outras coisas, que estava sendo procurada pela afiliada da Globo em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, mas teria virado uma "decepção" lá dentro depois que entrou com o processo.
Eu queria que as pessoas soubessem, eu queria que soubessem por mim que não foi legal. Eu queria que as pessoas soubessem que eu sofri. Eu sofri. Doía você se achar incompetente. Dói, depois de tantos anos, e você beirando os 50, porque quando eu saí de lá eu tinha 49. Eu fiz por dor, porque doeu.
Como era trabalhar na Globo
Ela precisou mudar o visual no início da carreira para se adequar ao padrão estético da empresa. "Me levaram a um cabeleireiro no Rio de Janeiro. Ele cortou meu cabelo aqui [indicando cabelo curto]. Eu chorava, porque eu não queria. Essas etiquetas de como se vestir, como se comportar, sempre existiram."
A implementação do programa Uma Só Globo teria provocado um acúmulo de funções, sem qualquer reajuste na remuneração. Segundo a emissora, o objetivo era "integrar equipes e estruturas" em uma única empresa.
Espero que a situação clareie para muitas mulheres. Estou falando isso exatamente para dizer que demorei muitos anos para descobrir que a Globo exigia tanto desse padrão, dessa estética, que eu adoeci.
Ao se aproximar dos 50 anos, recebeu críticas da chefia de figurino quanto a "flacidez, ruga e gordura fora do lugar". A situação teria ficado ainda mais difícil após a repórter apresentar um projeto de podcast à casa e ser substituída por um colega mais jovem.
'Comecei a achar que tinha alguma coisa errada comigo'
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Quero receberO padrão estético institucionalizado, as pressões da chefia e a evidente renovação do quadro de profissionais do jornalismo criaram um clima de insegurança e imprevisibilidade para Veruska -- assim como para outros profissionais da área.
Veio uma mudança para a qual nós não estávamos preparados, porque ela [Globo] nos formou para ser aquele padrão duro no ar, de você dar a notícia e não interagir com o espectador. E de repente ela mudou tudo, não nos formou, não nos treinou e nós que estávamos há mais tempo não nos encaixamos no novo perfil que ela queria.
As participações em telejornais de rede, como Jornal Nacional e Jornal da Globo, foram ficando cada vez mais raras. "Passei a ser repórter mais local [...] E isso, para a empresa, é um rebaixamento. Para o departamento de jornalismo, tirar você do Jornal Nacional e te botar no SP1 e SP2 é uma forma de te punir por algo que você fez."
Eu era boa no que eu fazia, eu estava lá há 20 anos, por que usar dessa política comigo? Ninguém nunca me contou [...] Eu produzia as pautas do JN e elas não eram aprovadas. O que eu estava fazendo de errado?
Recomeço em Campo Grande
Veruska deixou São Paulo e voltou a morar em Campo Grande (MS) — cidade natal da jornalista —, com a filha, no fim de 2021. À época, foi recebida com festa por familiares, amigos e empresas de comunicação. Ela chegou a apresentar um programa na afiliada da Record, por dois anos, e hoje atua como assessora de imprensa da prefeitura local.
Eu sou feliz aqui no meu canto, com o meu marido [...] A minha filha está fazendo faculdade, terminando administração, e eu levo uma vida muito simples, mas está bom. É a vida que eu gosto. É a vida que eu quero.
As dores do período conturbado na Globo, no entanto, ainda continuam visíveis no rosto da repórter, que chora ao citar "arrependimentos" e o desejo de ter feito mais por ex-colegas de trabalho. Hoje, ao lado da família, ela encontra a força que precisa para escrever novos capítulos da própria história, que incluí a vontade de trabalhar em uma campanha para presidente.
O que diz a Globo
A Globo não comenta casos sub judice, mas reitera que a empresa mantém um Código de Ética em linha com as melhores práticas atualmente adotadas, que proíbe terminantemente o assédio e deve ser cumprido por todos os colaboradores, em todas as áreas da empresa. Além disso, também oferece treinamentos constantes para manter um ambiente de trabalho saudável e um sistema de compliance eficiente, que apura criteriosamente todos os relatos que chegam à Ouvidoria, punindo comportamentos contrários ao Código de Ética, inclusive com desligamentos. Nosso sistema de compliance também prevê o apoio integral aos relatantes, proibindo qualquer forma de retaliação em razão das denúncias. Comunicação da Globo
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