Megadeth esquece o novo disco e aposta em tornado de hits em SP
Uma máquina azeitada, certeira e de engrenagens afiadíssimas. Esta é uma forma bastante justa de descrever o Megadeth, um dos maiores pilares do chamado thrash metal norte-americano, que retornou aos palcos brasileiros na noite desta quinta-feira (18). A expressão pode significar, claro, que o quarteto liderado por Dave Mustaine é formado por músicos virtuosos que executam as canções com precisão quase cirúrgica. Mas também, por outro lado, que sobra de fato pouco espaço para improvisos muito além do previsto.
A apresentação, que abarrotou o Espaço Unimed, casa de shows em São Paulo, reuniu uma multidão de fanáticos que quase unanimemente trajavam camisetas do grupo — o que é um ponto fora da curva em apresentações de heavy metal, apresentando usualmente uma miríade multifacetada de bandas homenageadas na plateia. A prova de fidelidade foi recompensada assim que o Megadeth, sem necessidade de banda de abertura, deu as caras pontualmente às 21h30, recebido aos gritos pelos fãs, entre jovens devotos e veteranos da cena, todos sedentos depois de um hiato de sete anos.
Se o palco era absolutamente econômico, apenas com um pano de fundo estampado pelo nome da banda e com o rosto de seu mascote oficial, Vic Rattlehead, e a produção seguiu o caminho igualmente minimalista, sem apelar para pirotecnias além dos jogos de luzes, Mustaine e seus comandados esbanjaram uma farta coleção de hits, para todos os gostos.
O disco mais recente, lançado em 2022, foi representado apenas pela faixa-título, "The Sick, the Dying? and the Dead!", que abriu os trabalhos com direito até à divertida menção a uma fala do clássico "Monty Python em Busca do Cálice Sagrado" (1975). Depois disso, apenas e tão somente clássicos, a começar por "Skin o' My Teeth", do disco "Countdown to Extinction", lançado em 1992. Foi neste momento, com o público devidamente entregue, que pudemos conhecer de fato o novo guitarrista, o finlandês Teemu Mäntysaari, substituto do brasileiro Kiko Loureiro.
Talento em altíssima velocidade
Entre a segunda canção e a que veio logo na sequência, a cadenciada "Angry Again" (sucesso na trilha do filme "O Último Grande Herói", de 1993, com Arnold Schwarzenegger), fomos apresentados ao talento de Teemu - que, sim, tem um estilo radicalmente diferente daquele que conhecemos com o nosso Kiko. Bem sério, sisudo, de cara fechada, ele não poderia ser mais Megadeth: o groove e a ginga ficam de lado, enquanto ele entrega uma performance impecável, nota a nota, direta e reta, aguda e pesada, rápida e precisa. Enquanto isso, do outro lado do palco, vemos o homem-sorriso James Lomenzo. Baixista que retorna ao Megadeth mais de uma década depois, ele se empolga, gesticula, provoca a plateia, parecendo um divertido ponto fora da curva.
No centro de tudo, no entanto, está Mustaine. Que, sob certo aspecto, lembra muito mais Teemu do que Lomenzo. Econômico nas interações com a plateia, ele só arriscaria um "boa noite" meio tímido pouco antes da dobradinha "Wake Up Dead" e "In My Darkest Hour", que, aliás, serviu para mostrar quem é que manda naquela história toda. Ali, foi a vez do próprio vocalista e poderoso chefão mostrar que também é um guitarrista habilidoso, dedilhando de fato agilmente e com uma boa dose de tesão, quase como se ele ainda fosse aquele moleque da Califórnia que tocou nos primórdios do Metallica. O show, seja com Teemu ou Kiko, é dele e ponto final.
Comandando um setlist com pouquíssimas variações se comparado ao que vem sendo executado nesta passagem pela América Latina, Mustaine mal deixa suas expressões, além de um eventual momento alucinado de rabo de olho, serem vistas pela plateia, já que em boa parte do tempo está com as madeixas ruivas cobrindo o rosto. Mas, na verdade, isso é o de menos, porque quando ele começa a tocar uma canção como "Sweating Bullets", de letra quase falada e interpretada de maneira acelerada e complexa, e a plateia acompanha praticamente sem errar, obviamente que o frontman saca que o jogo já está ganho. O mesmo acontece com "Trust", pequena pérola de "Cryptic Writings" (1997), recebida entusiasticamente e cantada palavra por palavra a plenos pulmões, levando Mustaine a se emocionar e agradecer, antes de disparar "Tornado of Souls".
Se em "Hangar 18", a música das guitarras combinadas que era um dos desafios mais complexos da série de jogos "Guitar Hero", tivemos mais uma vez Teemu brilhando literalmente sob os holofotes do palco enquanto os fãs chegavam a cantar até os riffs de guitarra, em "À Tout Le Monde" foi a vez dos celulares se acenderem ferozmente - enquanto um bando de cabeludos emocionados arriscavam cantarolar, de jeitos macarrônicos, o trecho em francês do trágico lamento de despedida e morte.
Para encerrar a performance, Mustaine selecionou a dedo seus dois sucessos mais representativos e poderosos: "Symphony of Destruction" e "Peace Sells", aquela do refrão que obrigatoriamente deve ser berrado por todos os presentes (que ainda se divertiram com a entrada de Vic Rattlehead em pessoa no palco para interagir com os músicos). Ao sair para o momento que antecede o bis, um esboço de humor, quando o vocalista retorna e sai na sequência mais uma vez, meio que provocando os brasileiros a gritarem ainda mais alto pelo retorno do Megadeth. Ainda bem que ele não mencionou a Argentina, país com o qual tem uma relação notadamente apaixonada.
Todavia, o suspense é protocolar porque o bis é inevitável, e ele veio com "Holy Wars... The Punishment Due", que na prática são duas músicas em uma. Uma boa escolha, emblemática (ainda mais nos dias que vivemos hoje, geopoliticamente falando), um momento interessante que Mustaine usou como desculpa para apresentar os integrantes da banda, mas talvez não a melhor conclusão, por se tratar de uma canção musicalmente muito "quebrada" e sem aquele momento de catarse épica que se espera de um fim de show.
Um tantinho anticlimático? Talvez. Mas nada que fosse capaz de estragar o andamento desta máquina e sua programação milimetricamente ajustada. Um batalhão de headbangers cansados, mas felizes pareciam concordar com isso no caminho para casa, aliás.
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