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'Coreografa' cena de sexo: como se prepara a coordenadora de intimidade

Larissa Bracher já trabalhou como coordenadora de intimidade em grandes produções nacionais Imagem: Faya/Divulgação

Victória Gearini

Colaboração para Splash

19/04/2024 04h00

É cada vez mais comum encontrar nos sets de filmagens pessoas responsáveis por "coreografar" cenas de sexo, nudez ou que exijam maior contato físico. Esses profissionais são chamados de coordenadores de intimidade.

O método é conhecido em Hollywood e, nos últimos anos, tem ganhado força em produções brasileiras.

Uma 'coordenadora de intimidade' brasileira

A atriz e preparadora de elenco Larissa Bracher foi uma das primeiras pessoas no Brasil a ter certificado de coordenação de intimidade. A oportunidade de se especializar na área surgiu entre 2019 e 2020. O convite veio por meio do Amazon Prime.

Desde então, ela já trabalhou como coordenadora de intimidade em grandes produções nacionais, entre elas os filmes da trilogia "A Menina que Matou os Pais" (Prime) e a série "Reencarne" (Globoplay). Dentre os trabalhos mais recentes estão as séries "Maníaco do Parque" (Prime) e "Justiça 2" (Globoplay).

A coordenação de intimidade é uma função que deixa os atores e todo o elenco muito cientes de tudo o que vai acontecer. Todos ficam bem informados do passo a passo do que vai se dar em cada cena. Além disso, é uma função que protege todas as pessoas envolvidas.
Larissa Bracher em entrevista a Splash

Influência do movimento #MeToo

O surgimento da profissão de coordenação de intimidade foi influenciado pelo movimento #MeToo (EuTambém), que surgiu em 2006. Na época, Hollywood ficou escandalizada após vir à tona uma série de denúncias de abuso sexual e estupros cometidos pelo então produtor de cinema Harvey Weinstein.

Já em 2017, outro caso ressurgiu e abalou a sociedade hollywoodiana. A atriz Alyssa Milano revelou ter sido vítima de abuso sexual durante uma filmagem na década de 1990. A artista então resgatou a hashtag do movimento #MeToo, em que convidou outras mulheres a exporem e denunciarem seus agressores.

As mulheres começaram a se mobilizar e falar sobre os assédios que tinham sofrido. Neste momento, a gente teve muitos casos vindos do ambiente de audiovisual em relação a assédio moral e sexual.
Larissa Bracher

Outro caso muito conhecido neste meio foi o da atriz Maria Schneider. Ela revelou que durante as filmagens do filme "Último Tango em Paris" (1972), então aos 19 anos, foi abusada enquanto contracenava com o ator Marlon Brando, à época com 48 anos.

Na ocasião, eles simulavam uma cena de estupro, mas de última hora o diretor Bernardo Bertolucci incentivou Brando a usar manteiga como lubrificante na cena, sem informar Schneider. O episódio lhe causou traumas profundos e a atriz morreu em 2011 sem nunca ter visto a justiça ser feita.

Com as repercussões sobre os recorrentes casos de violência nos sets de filmagem, discussões sobre o tema ganharam força em Hollywood. Em 2018, a HBO inaugurou a categoria de coordenador de intimidade para acompanhar cenas de sexo. A série "The Deuce" foi a primeira a ser escolhida para ter o profissional nos bastidores.

A coordenadora de intimidade Larissa Bracher com os atores Juan Paiva e Jessica Marques nas gravações da série "Justiça 2" Imagem: Instagram Larissa Bracher

Os ambientes de trabalho no audiovisual ainda são bastante masculinos. Tanto nas equipes, quanto nas direções e roteiristas. Mas estamos vivenciando uma transformação. Então, hoje em dia, algumas produções já têm coordenadores de intimidade que trabalham na proteção de todo o elenco envolvido. As pessoas sabem perfeitamente o que vai acontecer.
Larissa Bracher, atriz, produtora de elenco e coordenadora de intimidade

Proteção do elenco

Segundo Larissa, antes dos coordenadores de intimidade, a grande maioria das cenas de sexo não era coreografada previamente. Isto é, muitas vezes os atores tinham de deduzir qual era a linguagem do diretor.

Às vezes tinha uma conversa no momento, mas às vezes não. Tudo ficava muito à mercê da circunstância. Alguns diretores usavam, ainda, o pretexto de 'deixa a química rolar entre os atores'. E com esses discursos, conheço pessoas que foram muito magoadas. Larissa Bracher

Sem expor nomes para preservar os artistas, a coordenadora de intimidade revelou, ainda, relatos chocantes de mulheres que já tiveram de tomar a pílula do dia seguinte após cenas de sexo.

Larissa Bracher com Marcello Novaes e Paolla Oliveira nas gravações de "Justiça 2" Imagem: Instagram Larissa Bracher

"Não é uma coisa corriqueira, mas é algo que já aconteceu e não imaginamos. Além de relatos de atores que já passaram um pouco dos toques permitidos e de diretor que exercia um pouco mais de função, inclusive com homens em cena."

Por outro lado, Larissa reforça que sempre existiram muitas pessoas bem-intencionadas no audiovisual. Ela explica que o objetivo dos coordenadores de intimidade não é censurar as produções, mas proteger todo o elenco envolvido.

"Ela [coordenação de intimidade] ajuda muito para que abusos não aconteçam antes, durante nem depois das cenas."

'200 horas de aula'

Larissa conta que se especializou no tema; para uma cena, colhe todas as informações sobre o que vai acontecer Imagem: Faya/Divulgação

Atualmente, não há nenhuma regulamentação que obrigue a formação acadêmica em uma área específica para exercer a profissão. Mas Larissa reforça a importância da qualificação dos profissionais.

Ela explica que obteve certificação com a professora Amanda Blumenthal, uma das precursoras na construção do pensamento da coordenação de intimidade, de acordo com os protocolos do SAG-AFTRA , sindicato voltado para diferentes profissionais de mídia.

Hoje em dia, sei que já tem mais pessoas que exercem a função, mas sei também que é algo perigoso. Isso porque muitas pessoas acham que coordenação de intimidade é uma coisa intuitiva. Mas não é assim, nós estudamos para isso. São 200 horas de aula. Por exemplo, aprendemos a colocar barreiras físicas para ninguém sentir o corpo do outro.

O coordenador de intimidade também pode solicitar a redução de equipe durante as gravações de cenas de sexo. Para Larissa, o profissional precisa ter também um olhar atento para todas as questões sociais presentes nos sets de filmagens.

A gente também sugere equidade do que é mostrado. Sabemos que, em geral, os corpos que são convidados a se despir ainda hoje em dia são os corpos um pouco mais padronizados. Então precisamos falar sobre isso, para que o comportamento no audiovisual em relação às cenas de nudez e sexo simulado acompanhe um pouco mais rapidamente essas discussões, dessas pautas que são super urgentes e importantes.

Ao longo de sua carreira, Larissa conta que já recebeu feedbacks positivos dos elencos, da direção, atores e equipes envolvidas. Segunda ela, as pessoas se sentem muito mais confortáveis após coreografar cenas íntimas, algo que não era tão comum até pouco tempo atrás. Além disso, sempre há conversas abertas com todos os envolvidos sobre consenso e limites pessoais.

Todo mundo se sente mais confortável e protegido. Há também uma comunicação direta com as equipes de figurino. Eu sei exatamente o que vai acontecer em cada cena. Colho todas as informações com a direção, converso e depois passo individualmente para quem irá contracenar. A partir disso, a pessoa vai dar o seu consentimento. A coordenação de intimidade tem um pilar sobre consentimento. Isto é, se não for consentido, não é cena.
Larissa Bracher

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