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Ouvimos antes 'Funk Generation': Anitta inaugura nova era do funk carioca

Certa vez, Anitta me fez chorar... Lembro perfeitamente quando, em 2022, nossa Girl from Rio apresentou ao mundo —de forma brilhante, diga-se de passagem— o Rio de Janeiro "não higienizado": o Rio do busão lotado, do sol quente e da praia cheia, da farofa, do som altão, da multiplicidade de corpos e das relações sociais que permeiam nesses territórios. O Rio do funk. Rio que, naquele momento, estava tão distante de mim. Chorei lágrimas de satisfação por me ver representada.

É impressionante o poder que a música tem de nos tocar, de nos acessar de forma ímpar, não é? Justamente nesse sentido eu entro no assunto principal desta escrita que é o álbum (a meu ver, "obra-prima" é um termo bem mais apropriado) "Funk Generation", que sai à 1h desta sexta (26): é funk que vc quer? Então toma-toma-toma-tomaaaaa!

Digo com total segurança que Anitta não atendeu expectativas, ela superou toda e qualquer expectativa que tenha sido criada em torno desse tão esperado lançamento.

A proposta de Anitta é —sempre foi?— muito bem definida: impulsionar o funk a alçar voos cada vez mais altos. Ao escrever "Preso na Gaiola", comprovei, entre outras coisas, que apesar da nomenclatura nativa do movimento 'funk carioca", ele nunca esteve limitado à cidade do Rio de Janeiro. Muito pelo contrário, o funk é da Região Metropolitana, da Baixada Fluminense, do interior.

E não só do Rio: nossa batida vem ultrapassando fronteiras territoriais, geográficas e sociais no Brasil (e no exterior) há muitos anos. E Anitta, ao longo de sua carreira, vem mostrando que nossa música, nossa cultura, nossa estética são capazes de romper muitas outras barreiras, inclusive fronteiras internacionais.

Anitta em divulgação do álbum Funk Generation
Anitta em divulgação do álbum Funk Generation Imagem: Divulgação

Mas como poderia ser diferente, já que quando toca funk, ninguém fica parado? É porque funk não se explica: funk se sente! O tamborzão contagia, o batidão envolve. Será que eu posso me arriscar e dizer que a música funk é uma linguagem universal? Talvez sim, mas Anitta, visionária, viu que a língua nos distanciava de nossos irmãos e irmãs e que o ela consegue fazer trazendo funk em português, espanhol e inglês é aproximar países vizinhos a nós, ainda que muito próximos, às vezes muito distantes.

Estamos diante de uma nova era da artista funkeira Anitta; estamos diante de uma nova era do próprio funk. MC Anitta já tinha mostrado lá atrás a que veio —a quem não acreditou em seu talento, capacidade, sagacidade, inteligência, criatividade e essência, deixo aqui o meu pesar.

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Acompanhar a carreira da Anitta é perceber muito nitidamente ineditismo, reinvenção, evolução artística e, principalmente em "Funk Generation", liberdade criativa e de expressão. Ao ouvirmos o álbum, a artista nos conduz a um passeio por algumas vertentes do nosso movimento, que é pluralidade, resistência e arte. Em "Funk Generation", Anitta nos mostra duas das mais fortes raízes do funk: o melody e o tamborzão.

"Love in Common" e "Meme" são uma delicinha. Já ao ouvir "Lose Ya Breath", por exemplo, eu só conseguia pensar "que grave é esse, minha irmã?!". Meus fones de ouvido estavam a ponto de explodir e eu só pensava em como vai ser delicioso sentir aqueles graves no corpo todo num paredão de som de baile de favela. Potência que agora, mais do que nunca, ecoa mundo a fora. Foi aí que eu entendi perfeitamente a proposta do álbum: fazer a galera toda sentir o que de, fato, é o funk; uma experiência imersiva no que é o baile funk.

E putaria? Ah, temos? E da melhor qualidade! Anitta voltou lá nos anos 2000 e resgatou não só o som, mas também o discurso. Em "Double Team", por exemplo, percebo uma ressignificação de termos pejorativos que a nós, mulheres livres, destinam. Afinal, o que é ser puta? A patroa tem refs, e são de cria. Porque é isso que nós somos: "Cria de Favela".

É inadmissível que a partir de agora ainda tenham pessoas reproduzindo o discurso de que o que Anitta faz não é funk. E, se continuar, vejo apenas duas opções: mau-caratismo ou desconhecimento total do que é funk. Digo isto pois os elementos sonoros utilizados em todo "Funk Generation" é o que nossa geração conhece e entende como funk. E digo mais: Anitta está consolidando de forma muito contundente o que hoje entendemos como "funk pop", mais uma vertente de nosso movimento.

Finalizo dizendo que Anitta jogou com força, pra longe? Joga pra Lua, vai!

Em "Funk Generation", Anitta superou a si mesma. Ela sabe o que vai bombar na pista porque conhece bem o underground, o chão do baile. Cheia de malemolência, sensualidade e ousadia, Anitta mostrou que dá, sim, pra estudar o funk. Mas, pra entendê-lo, é preciso viver e experienciar o funk.

Deixo aqui então o convite: sinta "Funk Generation" e perceba que Anitta nunca foi tão? Anitta!

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* Profª Juliana Bragança é Mestra e Doutoranda em História Social pela UERJ/FFP; autora de "Preso na Gaiola: a Criminalização do Funk Carioca nas Páginas do Jornal do Brasil (1990-1999)" e CEO do Domina Funk

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