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João Bosco entrega sutilezas escondidas no disco 'Boca Cheia de Frutas'

Em 2009, João Bosco lançou "Não Vou pro Céu, Mas Já Não Vivo no Chão". O álbum inaugurou nova fase nas suas gravações. O mineiro deixava um pouco de lado a extroversão que sempre marcou seu som para apresentar um trabalho mais introspectivo, focado na precisão de sua voz em diálogo com o violão, em arranjos mais contidos.

Desde então, seus discos de estúdio são mais conceituais, pensados e austeros. As canções sobrevivem sozinhas, mas fazem mais sentido no contexto amplo. "Boca Cheia de Frutas", que o artista lançou na última sexta-feira (10), é parte dessa série.

É possível que João Bosco coloque algumas canções do disco no show que faz nesta quinta-feira (16), no Teatro das Artes, em São Paulo, na inauguração do projeto Vinil em Cena. Mas a certeza é que ele cantará muitos de seus sucessos.

A capa e o título de "Boca Cheia de Frutas" sugerem fartura e exuberância, mas essas caraterísticas precisam ser buscadas nos detalhes. As canções trazem poucos instrumentos, os arranjos focam em poucos elementos, a voz muitas vezes passeia pelos graves.

No centro de tudo está o violão de João Bosco. O músico, como Dorival Caymmi, João Gilberto, Baden Powell e Gilberto Gil, é um criador do instrumento no idioma brasileiro. E "Boca Cheia de Frutas" é talvez o disco de Bosco em que é mais fácil perceber o violão como a espinha dorsal das canções.

O núcleo da banda que toca no álbum é composto pelo pianista Cristóvão Bastos, o contrabaixista Guto Wirtti e o baterista Kiko Freitas. A escolha é perfeita para a proposta. O piano de Bastos tem a elegância da primeira bossa nova. João Bosco já fez parcerias célebres com virtuoses do baixo, como Nico Assumpção e Ney Conceição. Agora, faz mais sentido a precisão, a solidez grave do pulso de Wirtti. Kiko Freitas, baterista extraordinário, também se sai bem na base contida e nos acentos sutis necessários em "Boca Cheia de Frutas".

O álbum pode ser dividido grosseiramente em duas vertentes, que não esgotam todas as canções e se tocam em alguns momentos. Uma delas evoca a ancestralidade, seja afrobrasileira ou indígena. Assim é "Dandara", que abre o disco, parceria com Roque Ferreira, em que João Bosco volta a evocar os orixás, como nos tempos de "Tiro de Misericórdia".

Uma evocação yanomami (de onde saiu o "boca cheia de frutas") atravessa o violão de Bosco, o violoncelo de Jaques Morelenbaum (ora na tradição clássica, ora na criação de sons que evocam as matas) e sons de pássaros em "O Canto da Terra por um Fio". A letra de Francisco Bosco, um lamento onírico pela floresta devastada, é construída com perfeição sobre o rigor composicional do violão de seu pai.

A banda inteira segue o violão em "Buraco", e a suave bossa que se segue conta, por contraste, a história uma história de morte, a do "Índio do Buraco", que se manteve isolado, em Rondônia, até seu cadáver ser encontrado numa cova, aparentemente vestido para o ritual fúnebre.

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Como talvez tenha aprendido com Elis Regina, que transformava em suas as composições de Bosco e Aldir Blanc, o cantor chama "O Cio da Terra", de Milton Nascimento e Chico Buarque, para encerrar o disco. Bosco já havia evocado Milton na regravação de "João do Pulo" do álbum "Mano que Zoera" (2017), em que interpolou "Clube da Esquina 2". Desta vez, a canção evoca a fartura da natureza para emendar na música que dá nome ao disco, em que a mesma exaltação yanomami que aparece anteriormente lança uma benção final, uma esperança para o futuro.

Outra vertente do disco é a primeira bossa nova, a de Tom Jobim e João Gilberto. A escolha também reflete essa fase mais contida de João Bosco. Se sua obra anterior a "Não Vou pro Céu" fosse associada a alguma bossa, provavelmente seria a segunda, tardia, mais próxima do samba-jazz, com o ziguezague virtuoso dos instrumentos e da voz. Agora, é a vez da elegância contida, acompanhada por cordas, com alguns acentos e detalhes.

Central nessa abordagem é "SobreTom", faixa instrumental em compasso ternário, conduzida pelo piano preciso de Cristóvão Bastos, com auxílio de flauta e trombone, que faz um breve solo. Também valseia "Dias que São Assim", no mesmo tom elegante, em que Francisco Bosco tenta lidar com o fim de um amor.

"Samba Sonhado" se inspira em João Gilberto, um encontro de dois criadores do violão, como se "Amoroso" fosse inoculado pelo veneno de "Galos de Briga".

O disco tem em "Gurufim" uma homenagem ao mesmo tempo sentimental e sóbria a Aldir Blanc, parceiro que, depois de afastamentos e reaproximações, João Bosco perdeu para a covid.

No centro do álbum, a exuberante "Dinossauros da Candelária", só com Bosco e o violão de 7 cordas de Rogério Caetano, faz referência ao passado do samba, ao seu presente e à própria obra anterior de João Bosco. Celebra as rodas de samba do Catumbi, lembrando um pouco, tematicamente, "Terreiro de Jesus", que falava da Bahia. É uma faixa que se destaca das demais e faz um ótimo contraste com o conjunto do álbum.

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"Boca Cheia de Frutas" é uma obra que, diferentemente do seu nome, não entrega todo o sabor e a doçura na primeira mordida. Recomenda-se algumas audições, quando todas suas sutilezas são entregues e absorvidas.

João Bosco - Vinil em Cena
Quinta-feira, 16 de maio
Horário: 20h
Teatro das Artes - Av. Rebouças, 3.970, Lj. 409 - São Paulo
Ingressos: Eventim

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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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