Com o microfone na mão e chapéu branco na cabeça, Ana Castela não disfarça o nervosismo antes de começar a gravação do seu segundo DVD.
As mãos da cantora mais ouvida do Brasil não param de suar, mas ela tem uma tirada na ponta da língua para enfrentar a situação: "Meu sovaco tá suando, meu rego tá suando".
Amigos e familiares riem e a apoiam: "Ana, vai dar tudo certo".
A cena aconteceu em 8 de abril, no rancho de Ana Castela em Londrina (PR), e é reveladora: a artista de 20 anos ainda está se acostumando com o status que tem.
Com apenas três anos de carreira, Ana já tem o show do momento no Brasil e disputa os cachês mais caros do alto escalão do sertanejo, com Gusttavo Lima, Jorge e Mateus e Henrique e Juliano.
Foram 240 shows entre 2023 e maio deste ano. O valor por apresentação pulou de R$ 60 mil em 2022 para R$ 750 mil. E deve subir.
A boiadeira está há 25 semanas no topo da parada da Billboard Brasil. São 9 músicas entre as cem mais tocadas. A faixa "Nosso Quadro" teve o clipe mais assistido do ano no YouTube, com 350 milhões de visualizações.
Com ela, a sofrência eternizada por Marília Mendonça e outras cantoras do feminejo ficou em segundo plano.
Ana Castela mistura funk, eletrônico e reggaeton. Versos salientes e letras mais românticas convivem em harmonia.
Essa receita pop fez o sertanejo invadir lugares inéditos, como o Rock in Rio (onde Ana se apresenta em setembro) e baladas LGBTQIA+ -- é de Ana o hit "Pipoco".
A voz, o carisma e o jeitão espontâneo de menina da roça completam o combo de uma artista não tem vergonha de se revelar vulnerável e insegura. Ainda está aprendendo.
"Tem muita criançada que leva a avó no show e aí começam a gostar de mim. Estou numa vibe mais tranquila, não quero usar tanto palavreado na música, mas não quero ficar só num nicho", diz Ana. "É nicho que fala?"
É assim toda vez que dá entrevista, assume. Com o UOL não foi diferente.
Choro e jeans sujo
Até o começo de 2021, Ana Castela era apenas Ana Flávia, uma adolescente de Sete Quedas (MS), cidade de 11 mil habitantes na fronteira com o Paraguai onde "só tinha pracinha, farmácia e posto", lembra a cantora.
Eu chorava muito na escola, era ruim em matemática, mas era boa nas partes artísticas. Acho que só passei de ano por isso e porque a minha mãe ia lá xingar.
Ana Castela
Os choros continuaram no colégio. Pensava em ser médica, mas a mãe, Michelle, 44, sugeriu odontologia, pela grana e facilidade.
Mas, àquela altura, Ana já tinha gravado "Boiadeira". "Não podia deixar ela parada, esperando que ficasse famosa. E se não ficasse?", diz Michelle. "Hoje eu vi que faculdade não era para ela."
Ana chegou a fazer um semestre do curso até "Boiadeira" chamar atenção — e o sucesso escolher, por ela, qual seria sua profissão.
Versos como "o cabelo chanel deu lugar pro chapéu / Tá cheia de terra a unha de gel" ajudam a explicar o carisma da jovem, que só reduzia a ansiedade quando passava semanas na fazenda do avô e do pai na cidade de Corpus Christi, do lado paraguaio.
Ana ajudava a vacinar o gado e cuidar da plantação de milho e soja. Andava descabelada, de botina, chapelão e jeans sujo. "Meu avô me dava 250 reais pelo trabalho bem realizado", lembra a cantora.
Hoje, além do rancho, Ana tem a própria fazenda, uma caminhonete e uma polpuda conta corrente administrada pela mãe.
Ela ainda assim mantém o costume adolescente de comprar quinquilharias na Shein. A última aquisição foi um copo Stanley falso, revestido de pedrinhas brilhantes.
Antes, sempre pergunta à mãe se há dinheiro suficiente na conta.
Ela não tem noção de que é famosa. Só sente quando vão atrás dela na rua. A Ana acha que ninguém fará nada contra ela. De vez em quando sai com o próprio carro, sem segurança. Fico de cabelo em pé.
Michelle Castela mãe de Ana
No rancho fundo
O DVD "Herança Boiadeira", gravado em abril, resgata os "modões" que ela cresceu ouvindo entre Mato Grosso do Sul e Paraguai.
Pelos camarins circulam as participações especiais: Gino & Geno, Rionegro & Solimões, Gian & Giovani, Matogrosso & Mathias, Perla Paraguaia, Jayne e Trio Parada Dura.
Paula Fernandes, uma das mulheres a estourar a bolha de um gênero muito masculino, nos anos 2000, era uma delas. Estava vestida como a anfitriã da festa: de bota e chapéu.
Por isso simpatizei com ela de cara. Na minha época, me tiraram o chapéu e eu fiquei frustrada. Diziam: 'Isso vai limitar sua carreira, vai ficar muito rodeio'. Que bom que a Ana chegou.
Paula Fernandes
Com figurino country, mas sempre com brilho e cortes modernos, Ana circula entre os camarins. E entra na roda de compadres com facilidade: "Eu quero que vocês se sintam em casa", dizia para todos.
Naquela noite, a plateia era de apenas 200 pessoas, entre artistas, família, amigos próximos e integrantes de um fã-clube escolhido a dedo.
A situação era bem diferente de quando gravou o primeiro DVD da carreira, há um ano, num grande palco erguido na tríplice fronteira, em Santa Terezinha de Itaipu, no Paraná.
Tinha 19 anos e uma plateia de 70 mil pessoas à frente.
A gravação se estendeu até a madrugada fria, o que prejudicou o canto. "Minha voz não aquecia. Fiquei bastante nervosa, foi muito complicado."
Meses depois, no festival Caldas Country, Ana chorou no meio do show.
Estava, em suas palavras, "ruim da cabeça". Disse que fazia aulas de canto e que pensava em desistir da carreira recém-conquistada devido ao "hate" que sofria.
[Estava com o] corpo cansado e eu queria só voltar para minha casa e chorar. Mas, naquela hora não dava, então eu chorei onde mais me sentia confortável, em cima do palco.
Ana Castela
A cantora agora bloqueia fofocas na internet para não esbarrar nas críticas, que julgam de sua performance à aparência.
Na manhã da gravação do DVD, no entanto, chorou novamente. "Tava achando minha voz fraca", confidenciou.
Ao lado de uma preparadora vocal, aproveitou o tempo de maquiagem para aquecer a voz repetidas vezes no camarim.
O treinamento para por aí. O tal "media training", muito usado no meio artístico para ensinar celebridades a se comunicar em entrevistas, foi descartado pela equipe logo no início da carreira.
"Senão não é ela", diz uma assessora.
Clã Castela
A família da Ana Castela chega em peso ao rancho. Tios, tias, avós, a irmã de oito anos e primos pequenos com chapéus maiores que a cabeça descem de duas caminhonetes.
"Olha, quem são vocês? Nem parece minha família", ela brinca ao ver todos "na estica".
Na hora da gravação, Ana soltou a voz e recebeu a família no palco.
O primo Luiz Gustavo, peão de fazenda, subiu para dançar com a artista. A avó e a tia gritaram e invadiram o cenário na hora em que Eduardo Costa entrou como convidado, para tascar um beijo no ídolo.
A única ausência é a do avô paraguaio, André, antigo vereador de Sete Quedas, que morreu em 2008. Seu retrato está pendurado no palco montado. Foi ele quem introduziu o sonho da música no clã.
André levava a filha Michelle para cantar em comícios. Foi vendo a mãe cantarolar em casa — e o pai, Rodrigo, pedir sempre para a filha cantar Trio Parada Dura — que Ana começou a soltar a voz, mesmo envergonhada.
Michelle desistiu de continuar na música quando Ana nasceu, mas segue a filha em compromissos publicitários. "Se alguém responde meio torto para ela, eu já entro na frente."
A autoridade da matriarca é traduzida com um apelido dado pela equipe de Ana: "capa dourada". Naquela noite, mãe e filha ainda fariam um dueto pela primeira vez ao vivo.
Ostentação da roça
Ana foi descoberta pelo cantor sertanejo Rodolfo Lessi, 36, por meio de um vídeo postado nas redes sociais.
Nele, ela cavalgava ao lado do primo e dos funcionários da fazenda do avô paraguaio cantando "Vaqueiro Apaixonado".
Rodolfo tinha uma dupla de "estilo bruto" — sertanejo muito popular no Paraná, que usa o imaginário da agropecuária — e viu na garota carisma e vocal cativantes.
"Em poucos segundos eu visualizei tudo isso que ela é hoje, mas não nessa proporção", diz.
Tem espaço muito grande para isso no Brasil. Não só Ana, mas com artistas que vieram dessa geração com chapéu e bota. Falei: isso vai 'dar bom' e hoje a gente vê Louis Vuitton, Prada e a Beyoncé com chapéu e bota. Vira moda.
Rodolfo Lessi
A moda nas roupas e nas letras fez explodir no Brasil o chamado agronejo.
Parte do público associou as referências a uma espécie de propaganda ideológica. Ele nega.
"Os funkeiros falam dos bens, da ostentação deles. A nossa galera queria escutar a ostentação da roça. É só trocar a Ferrari pelo cavalo e mostrar que aqui no campo tem coisas legais", explica Rodolfo, hoje empresário e um dos compositores de Ana.
Quem domina o agronejo é o escritório Agroplay, que surgiu da necessidade de Rodolfo gerir a ascensão de Ana.
O escritório lidera as paradas com sucessos de Ana Castela, Luan Pereira e MC Chris no Beat.
Também avança na corrida por novos negócios com um time de influenciadores da vida no campo — entre eles, Odorico Reis, o "agro gay", um dos amigos próximos de Ana.
Caindo a ficha
Ana é sócia da empresa, que é patrocinadora master do time do Londrina. Compraram junto o rancho circundado por palmeiras imperiais e dependências simples do interior.
Com isso, a cantora se mudou para Londrina. Hoje, a música sertaneja é mais um ativo valioso na região, entre tantas outras atividades do agronegócio. A safra mais importante vem de Ana. Ela tem um dos shows mais procurados e vendidos do país.
Para que a voz mais ouvida do Brasil também possa ser uma garota de 20 anos, a ordem na Agroplay é privilegiar as folgas semanais de segunda e terça-feira.
"Ontem mesmo ela passou o tempo todo dentro de casa, aquela coisa de moça arrumando o quarto", diz a mãe.
Agora ela tem tempo para namorar. Em abril, voltou a sair com o cantor Gustavo Miotto, com quem namorou por breve período.
Seu sogro, Marcos Miotto, um dos principais bookers de shows sertanejos, agencia suas apresentações.
A família torcia pela volta e vê com bons olhos a presença do cantor, como alguém mais experiente na vida artística.
A preocupação familiar agora é com o próximo passo desejado pela cantora, comum a quem fez 20 anos há não muito tempo: morar sozinha pela primeira vez.
"A Ana não tem essa coisa de ser 'a cantora mais isso, a cantora mais aquilo'. Outro dia ela me disse: 'Eu só quero cantar e comprar minhas coisinhas'", conta a mãe.
Antes de entrar no camarim para se arrumar para a gravação, a cantora reflete sobre isso.
Se a gente for pensar demais, a gente surta. A ficha não caiu, nem quero que caia. Deixa assim desse jeitinho que eu estou bem feliz.
Ana Castela
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