OPINIÃO
Com Soft Cell, Marc Almond celebra missa gay pra entrar pra história
Claudia Assef
Colaboração para Splash, em São Paulo
18/05/2024 21h06
Soft Cell começou com programação eletrônica carregada sem nada da fofice de "Tainted Love". A primeira música, "Memorabilia", ganhou refrões de "Holiday", da Madonna, e de "Sex Machine", de James Brown.
"I'm a Brasil Virgin, esta é a minha primeira vez em São Paulo", Marc Almond anunciou a música seguinte como o primeiro single da carreira do Soft Cell.
A música era "A Man Could Get Lost, uma ode aos experimentos de um cara que pode vir a se perder na cidade grande, sobre uma batida reta simples e o característico sax pontuando.
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No palco sentimos a falta de Dave Ball, substituído nos synths pelo alemão Philip Larsen, músico que vem segurando a parte instrumental do duo há pelo menos dois anos devido a problemas de saúde de Ball.
Músicas como "Monoculture", com sua simplicidade rítmica e melodia que recorre a escalas orientais, lembrando música árabe.
Almond e Ball construíram sua reputação como influenciadores da resistência LGBTQIA+ desde o início da banda, em 1981.
Ver ao vivo a figura de um ícone como Almond pela primeira vez no Brasil já bastaria. Vê-lo cantando muito bem e feliz no palco foi o presente que todo fã queria ganhar — e ganhou.
"Bedsitter" foi cantada pela arena repleta de fãs, a maioria da geração X emocionada com a presença (ainda) forte de Almond. Emoção foi a mil com o único do solo de saxofone de "Torch", um dos maiores clássicos do duo.
Um dos maiores hits e também um dos momentos em que a soul music magicamente se transformou em música de pista de dança, graças à genialidade de Almond e Ball. Só essa música já teria valido o ingresso, mas tinha mais.
A beleza de ver esse artista de 66 anos com tantos serviços prestados à música de pista e à comunidade LGBTQIA+ encobre a simplicidade técnica do show.
Estávamos todos embaixo de uma tenda para ver uma entidade, e não pirotecnia. A simplicidade é a coisa mais difícil de ser entregue com perfeição. E nesse quesito Almond é pós-graduado.
Suas letras são como mensagens de texto sobre amores, cotidiano na cidade, noite, orgulho, diversão. Mensagens que até hoje, quatro décadas depois de escritas, soam atuais.
Com projeções retrôs e poucos músicos no palco (um par de backing vocals e um saxofonista, além de Almond e larsen), o baile do Soft Cell cobriu boa parte de sua diminuta discografia - são apenas três álbuns de estúdio ao longo dessas quatro décadas de carreira.
No Soft Cell a beleza se resume a poemas urbanos, programação eletrônica simples e saxofone. Foi com essas armas que Almond vem pregando por um mundo mais gay e divertido.
Como uma música da Motown acabou se tornando um hino gay e hedonista, nunca iremos saber, mas nesta noite de sábado (18) foi a vez de São Paulo se emocionar com uma das melhores covers da história, "Tainted Love", cantada a plenos pulmões, emendada como de praxe por "Where Did Our Love Go?".
Quem ficou até o final, resistindo à tentação de ir ver The Black Pumas na tenda ao lado, sentiu na pele que a revolução também pode ser feita com bateria eletrônica e saxofone.
Marc Almond encerrou seu cabaré carregado de emoção cantando "Say Hello Wave Goodbye", com o público cantando a letra com as mãos pra cima. Foi uma missa gay pra entrar pra história.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL