Infelizmente, 'Sex and the City' não envelheceu tão mal assim
Tenho uma confissão: até este ano, nunca tinha visto "Sex and the City". Eu sabia que a série revolucionou a forma como mulheres são retratadas na televisão, tinha uma ideia do enredo e até de qual das protagonistas mais se parecia comigo (a Miranda). Mas tinha um grande empecilho: em 1998, quando a série foi lançada, eu tinha apenas um ano.
Quando vi que todas as temporadas estavam disponíveis na Netflix, decidi apertar o play pela primeira vez e me preparei para um baque. Aliás, as redes sociais me prepararam: depois de anos lendo análises sobre como a obra havia envelhecido mal, achei que para aproveitar a experiência precisaria passar horas ouvindo (e ignorando) comentários preconceituosos que jamais caberiam no mundo de hoje. Não foi bem assim.
Logo de cara, fui positivamente surpreendida: ainda hoje, a forma descontraída como o roteiro aborda tabus é um refresco. A sensação é de estar vendo minhas amigas debatendo um tema, cada uma com sua personalidade e seu posicionamento. Às vezes fico com raiva porque a minha favorita está claramente errada, e às vezes percebo que quem está errada sou eu.
Não é que a série não tenha momentos problemáticos. Tem muitos: em um dos episódios, Carrie descobre que está saindo com um homem bissexual, e Miranda diz que bissexuais são pessoas "gananciosas" que deveriam "escolher um lado". Em outro, Samantha é abertamente transfóbica ao discutir com prostitutas que conversam alto demais do lado de fora de seu apartamento.
Em uma série centrada em encontros e desencontros amorosos, demora três temporadas (35 episódios!) para qualquer uma das protagonistas sair com um homem que não seja branco —e os termos que as protagonistas usam para discutir o assunto são, no mínimo, insensíveis.
O erro é achar que essas problemáticas ficaram no passado. Pode até ser que nada disso seja exibido na televisão hoje em dia —o que é, inegavelmente, um avanço em relação ao mundo de 26 anos atrás. Mas isso não significa que essas questões tenham sido superadas fora da ficção.
Nos episódios exibidos lá na virada do milênio, as personagens já avisavam antes de fazerem comentários problemáticos: "Pode ser politicamente incorreto, mas eu acho que...". Vai dizer que você não ouviu algo parecido de um amigo ou parente recentemente? Os termos para disfarçar o próprio preconceito só mudaram. Hoje, viraram meme frases como "queria comentar, mas os meus advogados não permitem" ou "me sinto um senhor conservador vendo isso".
"Sex and the City" foi criada para questionar o que significa ser mulher no contexto das personagens: brancas, cis e (quase todas) heterossexuais vivendo numa metrópole e independentes sexual e financeiramente. 26 anos depois, talvez a pergunta não deva ser "a história envelheceu mal?", e sim "o mundo progrediu dessa forma para todo mundo?". Ao contrário da série, a resposta pode ser uma surpresa negativa.
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