Crianças, uísque e curadoria: C6 transforma Ibirapuera em 'resort musical'
Festival com curadoria. Público com crianças e cachorros. Letras de show com tradução para libras. Uísque puro malte com gelo. Restaurante com prêmio Michelin. Artistas seminais com novatos promissores.
Com proposta intimista (apesar dos palcos distantes entre si), o C6 Fest lembrou, não por acaso, o Free Jazz Festival — equipe responsável é a mesma do festival que aconteceu de 1985 a 2001.
Essa mistura fina de jazz, eletrônico, indie rock e diversos ritmos negros já foi patrocinada pela indústria tabagista (Free, no caso), empresa de telecomunicação (Tim Festival, de 2003 a 2008) e agora tem o selo de um banco digital. Será que a próxima onda de nomes de megaeventos será bancada por corretoras criptos ou gigantes de inteligência artificial?
Não por nada, entre as camisetas descoladas do público que desembolsou algumas centenas de reais para estar ali, uma se destacava com a frase: "Maybe You Are Not Sad: It Is Just Capitalism". E ainda a coincidência da gratuita Virada Cultural acontecer nos mesmos dias na cidade reforçou o contraste.
Mas música e natureza são os melhores reguladores naturais de humor. E ali estavam na dose certa, até com árvores balançando no meio da pista de dança e por vezes atrapalhando a visualização do show.
Um brado hedonista veio dos palcos e mudava qualquer ânimo. A saltitante cantora inglesa Romy gritava "Enjoy your Life"; e Marc Almond, vocalista do Soft Cell, entoava o refrão madonnesco "Holiday/Celebrate".
No meio dos maníacos por música, via-se muita gente que estava só para ver e ser vista e não viajou para a praia ou a montanha para ocupar o final de semana ensolarado no resort musical montado entre tapumes e seguranças no privatizado parque do Ibirapuera.
Um senhor passeava com seu golden retriever entre as cadeiras de praia durante o show da paraense Jaloo. Modeletes erguiam seus celulares e suas taças de vinho diante dos palcos. Pais carregavam nos ombros seus filhos adornados com boné e camiseta de banda para doutriná-lo no culto à "boa música".
O lado bom foi que o C6 não teve nenhum camarote ou área vip, e quem é fã conseguiu guardar lugar no gargarejo do ídolo, sem ter de pagar a mais por isso. Os ricos e famosos se misturaram com os anônimos.
O conceito do festival é de proximidade com a música e os músicos, evitando estrelas que arrastem multidões e grades para todo lado. A ideia é juntar artistas que você deveria e ainda vai conhecer, juntando grupos cultuados, como o Pavement, com o que é "hype". Além disso, aconteceram dois tributos, um para Bob Dylan e outro para Cassiano.
Newsletter
SPLASH TV
Nossos colunistas comentam tudo o que acontece na TV. Aberta e fechada, no ar e nos bastidores. Sem moderação e com muita descontração.
Quero receberO festival estiloso aproveitou bem a arquitetura de Oscar Niemeyer. A parede externa do Auditório Ibirapuera, projetado por ele, se transformou em um grandioso telão acima do palco principal, por onde desfilaram o soul psicodélico do Black Pumas, o afrobeat de Ayra Starr, a rumba swingada de Cimafunk, o hip hop do Paris Texas e Young Fathers, entre outros.
Foi permanente a sensação de estar no lugar certo e no errado também, tantos são os bons shows simultâneos. Você desfruta e se frustra. Caminha entre um palco e outro, mas suas lacunas culturais te perseguem.
Pelo menos, os ritmos por ali fugiram do algoritmo, essa máquina de escolher o que você ouve nas plataformas, em círculos viciosos de gosto musical. Nada como um festival montado por curadores. Nada como humanos tocando para humanos.
Deixe seu comentário