'Um tarado por vendas': por onde anda Ciro Bottini, sucesso da Shoptime
Quem ligava a TV no final da década de 1990 facilmente poderia cruzar com um jovem loiro e persuasivo que dizia aos telespectadores: "Compre, compre, compre" a cada apresentação de um novo produto. O nome por trás do bordão era Ciro Bottini, um dos apresentadores do canal de compras Shoptime, que anunciou o fim da transmissão na TV no ano passado.
A carreira de Bottini no Shoptime quase se confunde com a do próprio programa. Dos 28 anos no ar, Bottini esteve em 26. Hoje, Bottini ainda continua em frente às câmeras — mas agora o estúdio dele é a própria casa. Nas redes sociais, Bottini informa que acumula 50 mil horas ao vivo em vídeo e que é um 'tarado por vendas'.
Com a pandemia a minha demanda por campanhas digitais e lives explodiu. Entendi que aquilo deu uma turbinada no meu negócio digital. Montei a Máquina de Propagandas Bottini aqui em casa e daqui mesmo posso ter todo o equipamento para fazer uma gravação porque isso ficou infinitamente mais barato que antes. Quando a demanda explodiu, vi que isso não ia ter mais volta. Esse avanço no mundo digital só vai crescer, não vai recuar. E não recuou.
Ciro Bottini a Splash
Do rock à TV
Antes de trabalhar com comunicação, Bottini era vocalista e guitarrista de uma banda de rock. "Fazíamos músicas autorais, mas também um cover ou outro. Sempre gostei muito de artistas como Van Halen, Kiss, Queen, AC/DC. Mas quando completei 21 anos, senti que precisava mudar. Vi que a banda não ia vingar e queria ter um emprego formal, ganhar dinheiro. Na época, tinha uma namorada que me falou: 'olha, você tem uma boa voz para cantar, mas pode ser locutor de rádio'. Nunca teria tido essa ideia maluca se não fosse por ela. Então comecei a fazer cursos e visitar algumas rádios. Até que consegui o meu primeiro emprego de uma forma muito inusitada."
Sei quando um ciclo se fecha na minha vida. Naquele momento, sabia que não seria um grande cantor. Assim, aos 21 anos, senti que precisava tomar um rumo. Isso era muito claro para mim. E todas às vezes que dei foco no que acreditava, dava certo.
Ciro Bottini
Um programa de televisão mudou os rumos da carreira de Bottini em 1992. "Estava rodando os canais num sábado de manhã, sem o menor compromisso de nada. Então, me deparei com um programa de vendas de automóveis na TV Gazeta. Vi aqueles caras indo de uma loja para outra, batendo papo com as pessoas, mostrando os produtos e pensei: Isso é legal! Não tinha pretensão e nem sabia que teria habilidade para a coisa, mas foi um instinto. Peguei o telefone do lugar que comprava o espaço na TV e liguei, me vendendo. Fui até lá e, uma semana depois, me ligaram para gravar um teste. Naquele mesmo dia fechei o contrato."
A gente tem que ir buscar as oportunidades, bater na porta delas.
Ciro Bottini
Durante um tempo, Bottini conciliou a rádio com a TV — até a chegada da Shoptime. "Na época ainda morava em São Paulo e uma amiga me ligou, dizendo que esse canal de vendas seria lançado. O estilo de programa e o formato de venda de produto ainda estava começando. A estrutura era muito boa, o canal era muito bem posicionado e me interessei. O fator novidade me chamou atenção porque até então não tinha nada parecido. Fui contratado e por ali fiquei 26 anos."
Não existia internet, YouTube, Facebook, TikTok nem nada parecido. A nossa comunicação era muito informal. Era tudo ao vivo e tinha muita brincadeira. As pessoas gostavam de ver aquilo. E outro ponto era que nós, naquele momento, mostrávamos produtos muito diferentes daqueles que as pessoas estavam acostumadas a ver em uma loja normal, como um computador ou uma câmera digital.
Ciro Bottini
A era Shoptime
Os programas eram exibidos ao vivo e tinham metas por trás das câmeras. "A gente ficava todos os dias entre 8h a 7h ao vivo. Era muito tempo e tinha que inventar coisas para que aquilo ficasse legal, para não ficar só falando sobre as características do produto, porque isso é muito chato. O programa só acabava quando batíamos a meta. Enquanto tem estoque, tínhamos que vender tudo. Eu sempre fui focado em vender. Tendo isso em mente, pensava em criar estratégias para vender. Às vezes, antes de começar, nos reuníamos e criávamos situações diferentes — algumas inusitadas, outras engraçadas. Tinha que ser um show."
Na tentativa de reter a audiência, que nasceram os bordões. "Foi tudo muito natural, sempre tive o desejo de ser diferente. Olho para um concorrente e não quero ser melhor, quero ser diferente. Queria que Bottini fosse uma marca. Então, para vender, tinha que contar histórias, inventar algo novo e tinha esse espaço. Fui criando, e testando. Sempre também ouvindo a minha intuição. Naquela época, tudo era feito por telefone, então o diretor ouvia o retorno da central de televendas e me dizia se as vendas estavam bombando. A métrica de audiência eram os telefonemas. Com isso, nasceu o 'compre, compre, compre' e o 'ai, bottini', que foi inspirado em uma vizinha do meu prédio.
Ela tinha a voz fina e sempre me perguntava sobre os produtos, porque tinha uma certa desconfiança. Num dia qualquer, no meio da programação, a voz dela veio na cabeça e soltei no ar. E aí vi que todo mundo que ficava em volta de mim começou a rir muito. E aí fiz de novo e de novo. Não parei mais. Tinha encontrado um bordão.
Ciro Bottini
Com o programa, Bottini conseguiu fazer vendas impressionantes, como 400 TVs em menos de uma hora. "Não só eu, mas meus colegas conseguiam isso também. O Shoptime tinha uma audiência muito grande. No caso das TVs, o ano era 2002. Estávamos perto da Copa do Mundo, então aí entrava uma oportunidade de venda. E eu não podia parar de falar, de vender, de estar 100% mega animado. Apesar das metas, tentava manter sempre uma venda humanizada: o que dá mais certo, o que gera empatia, engajamento e conexão. A métrica não pode ser a única coisa importante em uma venda."
Mas nem sempre tudo é sobre ser uma máquina de vendas. "O vendedor tem que ser motivado na maior parte do tempo. Acontece que o vendedor é um ser humano e tem dias que não acordamos assim. Aí, temos que entrar no modo disciplina e tentar pelo menos manter a aparência de motivado. É uma habilidade importante e fundamental. É fácil? Não. Tem problemas que podem ser maiores, mas não podemos demonstrar, já que o público não tem nada a ver com aquilo. Às vezes, é como se fossemos um ator, que tem que entrar em cena e fazer o personagem. Não é porque estou com alguma questão que eu vou deixar de dar atenção ao cliente, demonstrar o entusiasmo."
A saída do Shoptime
Depois de 26 anos, Ciro Bottini deixou o canal de televisão, em 2021. "Até 1999, era a TV que mandava onde tinha adesão rápida das pessoas. Nós começamos a ver no dia a dia a mudança no perfil dos clientes que pararam de comprar pelo telefone e migraram para o digital. As pessoas poderiam comprar tanto pela TV quanto pela internet. O analógico começou a perder venda para o digital. Começamos a nos questionar de onde vinha o cliente: comprou porque veio por uma pesquisa na internet ou por que viu na TV? E aí a TV tinha uma meta e tudo isso virou uma grande salada confusa. Foi uma transição difícil, mas na minha carreira essas mudanças foram benéficas. A partir daí deixei de ser apenas um funcionário e comecei a ter vida própria no digital, já que as ferramentas democratizaram a comunicação."
Construí essa autoridade na TV e sempre reconheço isso, mas, se não houvesse o digital, eu não teria saído da zona de funcionário. Peguei a autoridade construída e trouxe pro mundo digital. Comecei a fazer palestras, campanhas publicitárias, com clientes chegando até mim pelo meu Instagram, sem intermediários.
Ciro Bottini
Um dos motivos para deixar o canal foi para sair da zona de conforto. "A internet foi um dos motivos, mas a zona de conforto foi outro. Fiquei muito tempo por lá, sendo que nunca fui sócio, nem nada disso, apenas um contratado. Não via mais perspectiva de crescimento e sempre quero crescer, fazer coisas melhores e maiores. Sempre gostei de lá, mas a marca foi mudando e já não era mais a mesma coisa. E, além disso, era claro a perda de audiência da TV a cabo. O que pra mim havia sido uma vitrine maravilhosa não era mais. Então encerrei o contrato."
Apesar de estar presente digitalmente, Bottini evita usar a palavra influenciador. "Desde o meu primeiro dia lá na rádio já estava influenciando de algum jeito. Estou tentando influenciar pessoas, então, tecnicamente, sou. Mas não gosto desse nome. Me considero vendedor e comunicador. As duas coisas que preciso mesmo usar para aí, sim, influenciar."
Meu foco é permanecer fazendo o que faço e o meu sonho é ter longevidade profissional. Quero viver muito, mas quero trabalhar até muito tempo, ser a múmia Bottini. E, claro, buscar o equilíbrio nisso. A vida tem que ser aproveitada, coisa que eu já faço bastante. Entre uma venda e outra, vamos bebendo uma taça de vinho.
Ciro Bottini