OPINIÃO
Helio de La Peña: Como fazer tudo errado e dar certo na vida?
Helio de La Peña
Colaboração para Splash
31/05/2024 04h00
Salve minha gente, bem-vindos à Resenha de La Peña!
Recentemente eu estive na inauguração da nova filial do bar do Zeca Pagodinho aqui no Rio. Depois da Barra da Tijuca e do Flamengo, finalmente chegou a vez da Zona Norte, onde o Zeca nasceu e foi criado.
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O evento foi apoteótico. Xande de Pilares, Alamir, Gabrielzinho Pirajá, todo mundo se sentindo em casa. Durante a festa, eu me lembrei de uma frase que o Zeca me disse uma vez: "Eu fiz tudo errado...e deu certo".
A verdade, é que as coisas funcionam quando você faz o que gosta.
O Zeca encanta o Brasil com seu jeito despojado, sua sinceridade e sua filosofia de só fazer o que ele gosta. Zeca não gosta de trabalhar, mas trabalha com o que ama, logo deixa de ser trabalho.
A satisfação dele no palco é escancarada. Quando tá em Xerém (distrito em Duque de Caxias), cercado de compositores ouvindo e criando sambas para o próximo álbum, Zeca é só alegria. Mas quando chega o batalhão de repórteres para perguntar 'de onde vêm a inspiração para o novo disco, ele fecha a cara, para desespero da assessoria de imprensa. Você sabe como essas matérias são importantes para venda.
No dicionário devia constar "Zeca Pagodinho" como sinônimo de "ócio criativo". E por falar em ócio criativo, eu tenho uma trajetória parecida com a do Zeca.
Desde garoto, meus pais falavam que eu tinha que estudar para ser alguém na vida. Estudei, me formei em engenharia, trabalhei por seis anos na área. Dos 30 dias do mês, eu só tinha um de prazer: o dia do pagamento.
Minha sorte é que esse impasse foi se resolvendo ainda na faculdade. Durante o curso, eu não tinha ideia de como os intervalos seriam fundamentais para o meu futuro. Entre uma aula e outra, eu, Beto Silva e Marcelo Madureira, vendíamos o jornalzinho "Casseta Popular", que a gente criou sem a menor pretensão, só para se divertir.
A brincadeira foi dando certo e o jornal virou revista. A revista nos levou à Globo como redatores do Tv Pirata, e o resto é história.
Eu sei que é difícil —e raro— conseguir trabalhar exclusivamente com o que gosta. Mas muitas vezes é preciso apostar todas as fichas num projeto profissional sem garantia de estabilidade financeira.
A cobrança familiar também influencia, né? Meus pais, por exemplo, ficaram desesperados quando eu disse que ia largar o emprego de engenheiro, para me dedicar a uma coisa que eu realmente gostava, que era o humor.
Lembro até hoje da primeira vez que fui acompanhar a gravação de um quadro que a gente criou para o Tv Pirata. E que virou um marco do programa: Tv Macho. O ator Guilherme Karan encarnava o personagem "Zeca Bordoada", que era o exagero absurdo e non-sense de um apresentador de talk-show machista radical.
Deu certo porque na época o público levava a piada a sério. Inclusive, uma propaganda do Zeca Bordoada tinha uma pauta sustentável, antes de isso ser modinha.
Era um shampoo. Shampoo para macho, não tinha embalagem plástica e ardia os olhos. Era biodesagradável.
Eu dei o exemplo do primeiro programa de TV que eu trabalhei, para ilustrar minha a sensação de estar trabalhando como se estivesse brincando. Quando o mosquito da realização profissional te pica, você não quer fazer outra coisa na vida.
Na época, ainda comentei com o Beto Silva, que também tinha largado o emprego de engenheiro, "se a Globo soubesse como a gente tava feliz, em vez de nos pagar, podia cobrar caro para a gente escrever para artistas geniais como Regina Cazé e Marco Nanini".
Trabalhar com o que gosta não é certeza do sucesso profissional. Por outro lado, não conheço ninguém que tenha se dado bem trabalhando com o que não gosta. É preciso ter prazer para conseguir se concentrar, parar virar a noite trabalhando, acordar cedo e partir para o batente.
Então você, jovem, que está decidindo que carreira seguir, o meu conselho é: "Escolha aquela em que até a parte chata, não é tão chata assim". E para você que quer fazer transição de carreira, mas tá inseguro, pense que se você se sentir mais motivado na nova ocupação, é porque está no caminho certo.
Quando se trabalhar com o que gosta, você nem percebe o tempo passando. Sua dedicação é maior,o foco aumenta e por consequência, o resultado vem. Pode demorar, mas uma hora vem.
Eu sempre digo nas minhas palestras: "Meu sucesso da noite para o dia demorou uns dez anos para chegar". É por isso que eu digo: "Não brinque em serviço, mas trabalhe brincando".
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL