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João Carlos Martins: Entre o som e o silêncio, o necessário é a coragem

É coragem a palavra que define o breve momento que separa o som e o silêncio; é também o sentimento necessário para tomar a decisão de contar a própria história após mais de oito décadas de vida, disse o maestro João Carlos Martins, 83, ao UOL Entrevista desta segunda-feira (3). O maestro falou ao programa sobre o lançamento de sua mais recente biografia, "O indomável: João Carlos Martins entre som e silêncio", escrita por Jamil Chade, colunista do UOL.

Entre o som e o silêncio, o necessário é a coragem. É você aos 83 anos ter coragem de contar os seus erros, os seus defeitos, também os seus acertos e mostrar que, quando vai se aproximando o apagar das luzes, você tem a coragem de mostrar esses erros que você lutou para corrigir —e graças a Deus corrigi— e os acertos que você lutou pra aperfeiçoar —e graças a Deus eu aperfeiçoei.

Também fez parte ir ao encontro das periferias. Eu fui em tudo quanto é favela em São Paulo, favelas pelo resto do Brasil, fui à Fundação Casa, a presídios, mostrar o que significa música clássica. Tanto é que qualquer favela que chegava com a orquestra, às vezes eu ia em duas favelas por dia. João Carlos Martins, maestro

Com luva biônica, encostei os dez dedos no teclado após mais de 20 anos

Por causa das dores intensas provocadas pela distonia focal, uma doença rara, Martins ficou cerca de duas décadas sem conseguir usar todos os dedos para tocar. Graças a uma luva biônica, conseguiu, ainda que com limitações.

O último concerto com as duas mãos foi em 1998 com a Royal Philarmonic, em Londres. O último só com a mão esquerda foi em 2002, em Beijing. Quer dizer que há 26 anos eu não toco com as duas mãos e há 22, só [toco] com uma mão. Mas eu conseguia no final de cada concerto com dois, três dedos, sempre tocar música lenta —ainda não toco músicas rápidas.

Mas numa turnê da orquestra no estado de São Paulo, passamos pela cidade de Sumaré. Um designer quis vir atrás do palco (...) Ele entrou com um par de luvas e falou: 'Com essa luva você acha que pode tocar? Eu disse: 'Posso lutar boxe, mas tocar, não'. Mas vi o interesse dele. Ai falei: 'Semana que vem você vem lá em casa. Ele veio de Sumaré e falei: 'Meu problema é que eu não consigo tirar os dedos das teclas. Então ele, baseado na Fórmula 1, ele criou essas luvas, chamadas luvas biônicas.

Com as luvas biônicas, depois de 22 anos, finalmente eu pude encostar os dez dedos nos teclado. Claro que não tenho, nem por sonho, a velocidade que eu tinha antes. Eu chegava a fazer 21 notas por segundo numa escala. Mas eu pude pelo menos... Você não imagina a sensação de encostar os dez dedos no teclado. João Carlos Martins, maestro

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'Impossible dream': maestro tenta retomar carreira de pianista profissional

A coragem dá também o tom do próximo desafio que o maestro se impôs. Martins tenta deixar a luva biônica de lado, voltar a tocar apenas com a mão esquerda, sem suporte, e retomar a carreira de pianista atuando em grandes orquestras.

Hoje já faz 15 dias que eu fico cinco, seis, sete horas por dia trancado no meu quarto, num tecladinho, porque o meu 'impossible dream' continua. E com a mão esquerda. Hoje eu diria que tem 10% de chance. Mas como vou fazer o concerto de despedida dia 9 de maio de 2025 no Carneggie Hall, quem sabe dia 9 de maio eu faço meu concerto de despedida e, perto dos 85 anos, eu inicio minha carreira de pianista? É o meu 'impossible dream'. Por quê? Por que não?

Se eu vou conseguir, eu não sei. Mas tenha certeza que esse maestro não tem conserto e tenho certeza que todo o repertório da mão esquerda eu vou fazer. Se eu tiver que fazer uma audição pra um empresário aos 85 anos pra ver se ele me aceita como pianista internacional, tenha certeza que eu farei essa audição aos 85 anos e tenha certeza que eu voltarei a tocar com as maiores orquestras. João Carlos Martins, maestro

Assista a íntegra do UOL Entrevista com João Carlos Martins:

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