Campina Grande x Caruaru: como surgiu a disputa pelo melhor São João?
O mês de junho resgata uma já antiga disputa entre as cidades que abrigam as mais tradicionais festas de São João do país: Campina Grande (PB) e Caruaru (PE).
Qual município oferece o maior ou melhor São João? É difícil cravar uma resposta. Splash ouviu dois pesquisadores, um pernambucano e um paraibano, que destrincharam as origens dessa disputa.
Em ambas as cidades, as festas começaram a ganhar destaque na década de 1980, quando o poder público decidiu organizá-las. Antes, o período junino já era comemorado, mas de maneira descentralizada.
Estevam Machado, doutor em História pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), destaca que as duas cidades são geograficamente muito parecidas. "Ficam situadas mais ou menos na metade de cada estado. Campina Grande fica no agreste da Paraíba e Caruaru no agreste pernambucano".
"Elas têm mais ou menos a mesma geografia, um clima muito parecido e uma origem também muito similar: surgem a partir das feiras".
Com o crescimento das festas, a competição se estendeu para o período junino, aponta Vanderlan Silva, professor de antropologia da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande): "Durante muito tempo, essa semelhança tem sido também motivo de comparações, de competições entre essas duas cidades. Essa percepção acabou migrando também para a ideia desse evento do São João".
Um espaço para chamar de seu
Outra similaridade é que as duas cidades reservaram um espaço para o São João. Em 1983, Ronaldo Cunha Lima, então prefeito de Campina Grande, centralizou as comemorações de São João no Parque do Povo. No início da década de 90, foi a vez do Pátio Luiz Gonzaga ser criado com a mesma finalidade em Caruaru.
A construção dos pátios surge mais ou menos nessa lógica de ter um lugar específico na cidade para a realização de grandes eventos, como é lá no sambódromo, tanto no Rio de Janeiro como lá em São Paulo, e como Bumbódromo, lá em Parintins. Estevam Machado
A disputa alimenta o turismo e, consequentemente, o investimento nas cidades. "Há fortes investimentos econômicos em termos turísticos nessa rixa. Isso também ajuda a valorizar ambos os eventos", diz o professor Vanderlan.
Há muitas pessoas que vêm do exterior, vêm de várias regiões do Brasil e fazem circuito, ora chegando primeiro a Campina Grande, depois indo para Caruaru e vice-versa, para ver qual é o melhor, qual é o maior [São João]. Vanderlan Silva
Por isso, as gestões de cada cidade tentam ter para si o título de "maior São João do Mundo". "Isso traz investimento, visibilidade, traz uma série de fatores que agregam para a cidade", diz Estevam.
"Quando a gente fala em São João, a gente não está falando apenas de uma festa, a gente está falando de um mercado que movimenta milhões e que é muito importante também para a manutenção de um sentimento de nordestinidade".
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Quero receberTanto Caruaru quanto Campina Grande, quando disputam esse título de melhor ou de maior São João do mundo, estão disputando também um certo discurso de segurar essa nordestinidade, de dizer assim: 'a gente levanta a bandeira do que é ser nordestino, do que é ser o campinense ou caruaruense'. Estevam Machado
Hoje, outras cidades entraram no circuito do São João, como Mossoró (RN) e Aracaju (SE). "Mossoró, que durante muito tempo não realizava essas festividades, acabou entrando também nessa lógica da economia de eventos, e hoje promove um grande evento de São João no Nordeste do Brasil", diz Vanderlan.
O São João anda mudado
O marketing da "melhor festa" atrai gente, que atrai investimento, que acaba, por vezes, mudando tradições de décadas. Nos últimos anos, tem se discutido o espaço que ritmos além do forró tem ganhado no São João.
Cada vez mais "megaeventos" com milhões de reais investidos e milhões de turistas, artistas locais vão perdendo espaço. No ano passado, o cantor Flávio José lamentou a redução de seu show em Campina Grande. Na mesma noite, Gusttavo Lima (do sertanejo) teve um show mais longo.
"A própria lógica de patrocínio estabelecida para a realização do evento acaba criando situações como essa, que atingiu o Flávio José [...] A festa, ao longo do tempo, acaba deixando de ser o tradicional que é vendido", diz Vanderlan.
É uma tendência dos grandes eventos, sejam do São João, sejam dos carnavais que a gente tem visto Brasil afora, mas, de todo modo, isso mostra como essa lógica comercial também se apoderou da festa e impõe as suas normas. Vanderlan Silva
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