Gracyanne, filha de Silvio e criptos: o louco caminho de um hit sertanejo
O que a separação de Gracyanne, uma filha de Silvio Santos e o mercado de criptomoedas têm a ver com o sucesso musical instantâneo do momento?
A ascensão e a queda repentina de "Digitando", de Gustavo Moura e Rafael, uniu todas essas pontas, em um "rolê aleatório" que exemplifica o caminho que uma música, hoje, precisa trilhar para chegar ao topo.
A dupla sertaneja existe há 20 anos e há pelo menos dez tentava emplacar uma de suas músicas no topo das paradas. Em maio, conseguiu.
"Digitando" desbancou Ana Castela e MC Ryan e virou a mais tocada do Spotify no Brasil, com média de 1,5 milhão de plays diários na plataforma.
Após chegar ao topo depois de um ano de lançamento, a faixa entrou em queda livre em 4 de junho. Foi do primeiro para o 55º lugar do Spotify, com 329 mil plays.
O sucesso não era 100% orgânico. Veio parte da divulgação de celebridades em forma de "publis" e parte de um aplicativo de impulsionamento, que paga usuários para ouvir músicas, o que viola as regras da plataforma.
São outros tempos na música. Se antes os "jabás" pagos a rádios eram obrigatórios, hoje a lógica do sucesso envolve outras dinâmicas — mas quase sempre é preciso pagar.
Noivado e criptomoedas
Até chegar ao número 1, o nome de Gustavo Moura circulava mais nas páginas de fofoca do que nas de música.
A apresentadora Silvia Abravanel, filha e herdeira de Silvio Santos, é namorada do sertanejo. Em abril, o relacionamento virou noivado.
"Ela [Silvia] foi ver quem cantava nossa música 'Cara de Golpe' e me adicionou no Instagram. A gente começou batendo papo, desenrolou a conversa para o outro lado e estamos aí", conta Gustavo Moura, 36.
Àquela altura, a dupla, junto da produtora Astro Music, sediada em Goiânia, tentava catapultar a música.
A principal estratégia foi um aplicativo criado pelos sócios da Astro Music, Magdan Faria e Carlos Santos.
A empresa lançou em 2023 o app Astro Play, com a promessa de pagar usuários para ouvirem as músicas no Spotify de seus artistas cadastrados. Tudo via carteira de criptomoedas.
Para cada play nos artistas da casa (Gustavo Moura e Rafael, Jefferson Moraes e Evelyn Duarte), uma quantia na moeda criada por eles, a Astro Cash, era paga ao "clicante".
A oportunidade foi espalhada por blogueiros e influenciadores do mercado de criptomoedas, sob a chancela da filha de Silvio Santos, contratada pelo escritório para fazer publicidade do projeto.
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Quero receberSilvia Abravanel fez um vídeo como embaixadora do aplicativo.
Na época, o escritório disse que chegou a ter 10 mil usuários ativos na plataforma. Eles não divulgam quantos plays as músicas de seus artistas ganharam via aplicativo, nem os valores que circularam durante o projeto.
O dono da Astro Music hoje, Mario Franco Junior, 37, reconhece que o projeto ajudou a impulsionar a música a entrar no radar do público e ganhar plays no Spotify.
"Realmente, lá atrás a Astro Play ajudou muito a música a chegar no povo. Mas aí a gente parou. Esse hype que fez chegar em primeiro lugar foi o trabalho do escritório", diz o empresário.
Filho de fazendeiros de Mato Grosso e vindo da área de construção civil, Mario foi o principal investidor da Astro Music.
Acabou comprando a empresa dos antigos sócios porque "via umas coisas erradas", diz, sem deixar claro quais ações do escritório eram questionáveis.
A primeira ordem como dono foi descontinuar o aplicativo com a proposta polêmica de "pagar para ouvir".
Pagamento por plays
Há anos, a discussão sobre artistas que pagam por plays agita os bastidores da música. Ouvintes "falsos" são registrados nas plataformas com IPs criados aleatoriamente.
São os chamados robôs ("bots"), programados para gerar engajamento em posts de redes, turbinar visualizações no YouTube e gerar plays em plataformas.
Esse esquema é visto pelas plataformas como "play artificial".
Marcus Vinicius acompanha há anos o mercado sertanejo no site "Blognejo" e afirma que o uso dessas ferramentas, num negócio conhecido como "fazendinhas de plays", também está disseminado no funk e no forró.
"Hoje, é quase impossível você chegar no número 1, de uma hora para outra, sem o uso da fazendinha", diz Marcão Blognejo, como é conhecido.
No dia 28 de março, Jefferson Moraes, um dos artistas da Astro Music, subiu mais de cem posições e chegou ao top 10 das mais ouvidas do Spotify com a faixa "Péssima Hora".
A música foi derrubada pela plataforma no dia seguinte.
Um email do Spotify chegou ao escritório com o seguinte assunto: "Detectamos streams artificiais para sua música".
"Spotify proíbe estritamente streaming artificial, incluindo o uso de qualquer serviço de terceiros que prometa streams ou colocação em qualquer playlist, incluindo playlists de usuários, em troca de dinheiro", dizia o email.
A Astro Play, com suas moedas digitais, pode ser enquadrada nesse último exemplo mencionado pela plataforma.
O Spotify informou em nota ao UOL que remove a música e retém os royalties quando é detectada "manipulação de streams".
A empresa afirma que irá "cobrar das gravadoras e dos distribuidores" em caso de "maus atores".
Apesar de a música de Jefferson ter sido uma das contempladas no aplicativo criado para "pagar por play", Mario nega que tenha sido esse o problema.
Ele diz que, num mercado tão concorrido, os "robôs" foram usados por concorrentes para derrubar o artista das paradas.
O empresário afirma, porém, que o Astro Play só foi descontinuado por ser insustentável financeiramente.
"Não tinha como investir na moeda e na música. Não tem ninguém que consiga bancar tudo isso. O que a gente ganhava de royalties a gente devolvia. Só que a gente precisava fazer investimentos e não estava sendo compensatório", explica.
Um dia após a nota do Spotify enviada à reportagem, "Digitando" perdeu quase 2 milhões de plays e caiu para a 55ª posição entre as músicas mais ouvidas.
O mesmo aconteceu com Jefferson Moraes. "Péssima Hora", que tinha sido derrubada em março, gozava o quinto lugar; agora, desapareceu da lista.
As músicas também foram retiradas das playlists editoriais do Spotify.
Procurado novamente pelo UOL, Mario Junior não retornou o contato.
'Publi', Deolane e Gracyanne
Após a música de Jefferson Moraes ser derrubada em março, a ordem na nova chefia na Astro Music foi usar as ferramentas habituais para divulgar uma música.
Segundo o empresário, isso inclui "investimentos em rádios" — o jabá, pagamento para as emissoras tocarem a música — e pagar "publis" para influenciadores passarem a falar da música. "O que é normal no mercado", ele diz.
O trabalho fez a música alcançar picos de popularidade no TikTok, embora ela não apareça na lista das 100 músicas mais usadas pelos usuários nos últimos 120 dias.
O que Mario e os artistas defendem é que "Digitando" alcançou o primeiro lugar sem "muletas", sem depender do pagamento de plays com criptomoedas nem as tais "fazendinhas".
O toque que impulsionou a música ao número 1, segundo eles, foi Gracyanne Barbosa, que parou a internet, em abril, quando anunciou o fim de seu casamento com o cantor Belo.
"Um dia eu liguei para o Gustavo e falei: 'se a Gracyanne postar essa música, vai ser um sucesso.' Aí ele disse: 'A Silvia é amiga dela'. Foi um pedido de amiga, mas a ideia foi minha", conta Mario.
No meio do alvoroço sobre a separação, Gracyanne postou apenas uma tela preta com "Digitando" tocando ao fundo, em seu perfil com mais de 11 milhões de seguidores.
O pedido de Silvia Abravanel para Gracyanne foi na brodagem — mas na mesma semana, segundo uma fonte, a influencer fitness fez uma "publi" paga, ouvindo "Digitando" enquanto dançava num pole dance.
Outros influenciadores na casa do milhões de seguidores postaram a música depois, como Deolane Bezerra e Gabi Martins. Na Astro Music, a publicidade de um influenciador médio pode custar R$ 7.000.
"A gente não estava esperando. Fui dormir e no dia seguinte era uma explosão de plays e comentários", conta Mario.
O empresário conta que estava contratando mais duas influenciadoras para impulsionar a música no TikTok quando Silvia e Gustavo Moura mobilizaram as redes.
Um post de Silvia comunicava seus seguidores no Instagram que o noivado tinha acabado.
"Gustavo Moura me perdeu, pois jogou na minha cara que Helen Ganzarolli é uma gostosa! Que sejam felizes juntos", disparou ela nos Stories."
O noivado, na verdade, nunca terminou. Há quem conte que Silvia postou a mensagem de brincadeira. Os empresários e músicos defendem que a conta da apresentadora no Instagram foi "hackeada".
De qualquer forma, a repercussão foi o empurrão que faltava na corrida ao topo das paradas.
"Toda mídia ajuda", observa Gustavo Moura.
'Deus foi abrindo as portas'
"A gente pegou esse impulsionamento e pagamos as páginas de blogs de sertanejo [para falar da música]. Um dia, ["Digitando"] estava em primeiro. Passei mais de uma semana sem dormir. Deus foi abrindo as portas", conta Mario.
Ele nega que Silvia tenha atuado na campanha de marketing. Procurada pelo UOL, Silvia Abravanel não quis comentar.
"Digitando" entrou no topo da Billboard, mas, isoladamente, só apareceu em primeiro lugar no Spotify, plataforma de streaming mais usada no Brasil. Na Deezer, ela não aparece entre as cem mais tocadas.
Entre 20 e 24 de maio, enquanto ocupava o primeiro lugar no Spotify, com 89 milhões de plays, a música ficou na posição 70 entre as mais tocadas da parada da Crowley — que reúne streamings e YouTube — e em 62 apenas no YouTube, com 43 milhões de visualizações.
Do nada, surfando no Caribe
A suspeita do uso de "fazendinha de plays" não é de hoje.
Enquanto galgava posições nas paradas brasileiras, "Digitando" apareceu misteriosamente em primeiro lugar no Spotify na República Dominicana.
Era a primeira de uma safra de músicas sertanejas que dominou as mais tocadas no país por apenas um dia.
As canções sumiram da lista no dia seguinte, o que fez os blogs de sertanejo levantarem a questão, mais uma vez, se não seria o caso de robôs impulsionando a música.
"Cara, me mandaram isso aí, mas eu sou caipira, só vejo o Spotify do Brasil", desconversa Gustavo Moura.
"Esse tipo de coisa acontece. A gente não gosta de falar, mas é verdade, as pessoas fazem, não a gente."
"O problema de 'Digitando' é que ela não é 'trendy' [tendência] em mais nenhum lugar. E temos uma música número 1 que não necessariamente está na boca do povo", observa Marcus Vinicius, do "Blognejo".
Logo após fazer shows em Minas Gerais e Tocantins, na mesma noite, Gustavo Moura afirmou ao UOL: "Vem cá ver no show, são 20 mil robôs cantando nossa música", diz.
"A gente tem estrada e chegou aqui com muito trabalho. Mas a primeira coisa, é a mão de Deus. Eu sempre soube que nosso momento ia chegar."
Antes de a música despencar do primeiro lugar, o empresário Mario Junior dizia querer distância do antigo aplicativo que pagava ouvintes com criptomoedas.
Ele comemorava o aumento de 50% na agenda de apresentações da dupla.
"Mês que vem eles têm 10 shows marcados. O show business se a gente souber levar ela ao pé da letra, é um bom negócio. Entrei por hobby, mas hoje eu encontrei meu negócio", diz.
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