'Chuva de Bala' celebra resistência e cultura em festa junina de Mossoró
'Hoje chove bala no país de Mossoró!". A expressão, que pode causar estranheza em outro lugar do Brasil, cresce na ponta da língua dos mossoroenses e ganha ainda mais emoção durante o período junino.
O espetáculo que faz parte do São João de Mossoró, no Rio Grande do Norte, relembra um fato que marcou a história do município: o dia em que os mossoroenses expulsaram o bando de Lampião.
Era junho de 1927, e os cangaceiros passavam pela região até que Vírgulo Ferreira foi convencido a invadir Mossoró para saquear. O prefeito da época, Rodolfo Fernandes, soube da possível invasão, reuniu civis e montou trincheiras para defender o povo.
O confronto aconteceu no dia 13, em frente à Capela de São Vicente, e resultou na vitória da população que colocou o bando para correr.
Misturando a vida real com a ficção, o Chuva de Bala surgiu como uma forma de enaltecer a coragem e heroísmo dos mossoroenses. Patrimônio cultural da cidade, o espetáculo a céu aberto foi encenado pela primeira vez em 2002, e desde então compõe a programação dos festejos juninos.
Edição 2024
A produção do musical é 100% mossoroense, do texto à trilha sonora, do figurino ao elenco. Neste ano são mais de 150 pessoas envolvidas em toda a produção, comandadas por Leonardo Wagner. "É um espetáculo que começou em 2002, e de lá para cá veio se modificando, trazendo novas propostas. Cada edição traz uma linguagem, e essa de 2024 se torna especial por novidades no cenário, figurino, temos novos atores. Tentamos trazer saudosismo para quem já conhece, e surpresas para quem está vindo pela primeira vez", explica o diretor do espetáculo.
O elenco se divide entre a resistência e os cangaceiros, mas quem chama mesmo a atenção são os personagens principais: Lampião, o prefeito Rodolfo Fernandes e o Padre Mota.
Ator há 27 anos, Everton dos Santos interpreta o rei do cangaço pela segunda vez. Para o papel, estudou a vida de Lampião, o embate registrado em Mossoró, além da entrevista cedida pelo cangaceiro em 1926. Tudo para passar com maior fidelidade a personalidade do anti-herói da história.
"A linha que estou trabalhando neste ano é a paciência, a frieza, trazendo uma figura tranquila, mas que ao mesmo tempo causa um terror. O personagem tem um crescente até estourar no embate com o prefeito", conta Everton.
No meio da tensão, o espetáculo também traz um alívio cômico através do Padre Mota, vivido por Carlos José há 18 anos. O ator chegou a fazer outros papéis, mas as semelhanças com o padre falaram mais alto.
"A batina chamou! O meu jeito brincalhão e falar sério quando tem que falar são coisas que identificam Padre Mota. Todo mundo que teve contato afirma que ele era muito parecido comigo".
Contar uma história de época para novas gerações é um desafio, por isso o ator brinca com o texto, usando gírias atuais para envolver o público. Neste ano, o Padre brinca chamando o prefeito de "casca de bala", e arranca gargalhadas da plateia.
Mesmo que o cangaço chame a atenção, o Chuva de Bala traz o protagonismo para a resistência, representada na figura de Rodolfo Fernandes, líder do movimento. Para Renilson Fonseca, dar vida ao prefeito que marcou a história da cidade é uma responsabilidade que causa frio na barriga.
"Coloquei força nas falas e gestos, força no personagem para que os mossoroenses, as futuras gerações, conheçam Rodolfo e vejam que ele era um homem de coragem. O Chuva é um espetáculo mágico, é uma aula de história onde você se diverte", afirma o ator.
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Quero receberUma aula bem frequentada: de acordo com a Prefeitura de Mossoró, o espetáculo reúne em média três mil pessoas por dia, que se amontoam nas cadeiras espalhadas em frente a Capela onde o confronto real aconteceu.
O musical é motivo de orgulho para os mossoroenses, e encanta os turistas. O casal Marcelo e Kesia Gulart vieram do Mato Grosso do Sul com os filhos para conhecer o MCJ, e a primeira parada foi no Chuva de Bala.
"Não conhecíamos a história, e amamos! Nunca tinha assistido a um espetáculo desse tipo. É tudo muito lindo e dinâmico", diz Kesia. "A cidade está de parabéns, vocês têm verdadeiros artistas. Todos muito bem preparados! Queremos voltar", completa Marcelo.
O São João mais cultural do país
O Chuva de Bala é só um dos atrativos do Mossoró Cidade Junina. A festa que se autointitula o São João mais cultural do país reúne diversas manifestações culturais com diferentes propostas. A programação é dividida por polos, entre os principais: Estação das Artes; Poeta Antônio Francisco; Cidadela; Arena Deodete Dias; e Arraiá do Povo.
Estação das Artes
Principal polo do MCJ, a Estação das Artes Eliseu Ventania é palco de grandes shows musicais, com artistas regionais e atrações nacionais, como Gusttavo Lima, Simone Mendes, Bruno e Marrone e Luan Santana.
Polo Poeta Antônio Francisco
O polo montado no Memorial da Resistência carrega o nome do cordelista Antônio Francisco e exalta a cultura popular nordestina. Lá o público confere recitais de cordel, poesia, repente, peças teatrais e shows de humor.
Polo Cidadela
O espaço que imita uma vila de época conta com dois palcos para apresentações musicais de diferentes estilos, do forró tradicional ao rock. O polo ainda tem como atrativo diversas opções de gastronomia e uma feira de artesanato.
Polo Arena Deodete Dias
Na Arena Deodete Dias uma das principais expressões do São João ganha vida: as quadrilhas juninas. Ao longo do mês, o polo recebe diversos festivais com competições de grupos juninos municipais, estaduais e interestaduais.
Polo Arraiá do Povo
Considerado o polo mais raiz, o Arraiá do Povo fica localizado no Parque de Exposições Armando Buá. Além de pratos da culinária nordestina, o público confere apresentações musicais de xote, forró, xaxado e baião.
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