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Chrystian foi de falso cantor gringo a um dos maiores nomes do sertanejo

José Pereira da Silva Neto será lembrado como Chrystian, personagem de dois momentos históricos da música no Brasil. Com o irmão Ralf, formou uma das grandes duplas sertanejas que levaram o gênero ao topo das paradas nos anos 1980, com álbuns vendendo acima de um milhão de cópias. Mas, na década anterior, foi protagonista do curioso movimento fonográfico que lançou cantores brasileiros como se fossem artistas estrangeiros.

Chrystian morreu na última quarta-feira (19), em São Paulo, depois de um mal súbito. Tinha 67 anos e estava na fila dos candidatos a um transplante de rim. Deixa como legado 20 álbuns em dupla com o irmão e quatro na carreira solo. E inúmeros singles lançados — a maioria nos anos 1970, quando passou um período como "cantor fantasma".

Foi no início daquela década que as gravadoras começaram a investir em canções em inglês gravadas por brasileiros. Cada um adotava um pseudônimo. No caso mais famoso dessa turma, Fábio Jr. lançou discos como Mark Davis. A ideia era realmente dar a impressão de que eram astros internacionais. Alguns, como Chrystian, ficaram um período inicial sem aparecer nos programas de TV ou nas capas de seus compactos.

Em 1973, ele gravou a canção "Don't Say Goodbye", que foi incluída na novela global "Cavalo de Aço". A música se tornou trilha sonora das cenas românticas encenadas por Tarcísio Meira e Glória Menezes, então no auge do sucesso como o casal número um das telenovelas. Foi o suficiente para levar a canção ao topo das mais executadas no país, por impressionantes 19 semanas consecutivas.

Tamanho sucesso fez Chrystian ganhar um tratamento diferenciado entre os falsos gringos. Começou a dar as caras nos programas de TV e tinha na produção de seus discos os nomes mais importantes do mercado, entre compositores e músicos. A aposta da gravadora RGE se provou muito certa quando ele estourou novamente com "Tears", em 1974, que ficou 11 meses entre as dez mais nas paradas.

Ambas são baladas românticas de muito apelo, e foi por aí que ele construiu uma carreira forte nos anos seguintes. Teve até a oportunidade de gravar nos Estados Unidos, com a gravadora bancando produtores de renome.

O sucesso popular trouxe muita atenção sobre sua vida pessoal. Em 1981, ele se casou com a cantora Gretchen, que também ocupava os primeiros postos entre as músicas mais tocadas. Em um episódio explorado à exaustão pela imprensa, eles se separaram meses depois, com Gretchen alegando traições do marido com várias chacretes, as então muito desejadas bailarinas dos programas de auditório do Chacrinha.

Com a carreira solo minguando, ele retomou a dupla com Ralf. Eles cantavam juntos desde crianças, em Goiânia. Para um primeiro disco, concordaram em regravar antigas canções sertanejas. "Nas Quebradas da Noite", o álbum de estreia, em 1983, vendeu rapidamente 100 mil cópias, dando à dupla o primeiro de vários discos de ouro.

Chrystian & Ralf se tornou então uma dupla destacada na cena, ao lado de outras emergentes, como Chitãozinho & Xororó, Leandro & Leonardo e Zezé Di Camargo & Luciano. As vendas aumentaram nos discos seguintes, ultrapassando a casa de meio milhão de cópias. A repercussão proporcionou carreira internacional à dupla, que gravou em espanhol e fez shows por Portugal, América Latina e nos Estados Unidos, onde os dois chegaram a se apresentar diante de 70 mil pessoas.

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Sozinho ou na dupla, Chrystian demonstrou muita preocupação com riqueza de harmonia nas canções. E o mesmo empurrão que ele tinha recebido das trilhas de novelas quando cantava solo se repetiu com a dupla. Tanto que seu último grande hit foi "Mia Gioconda", lançada em 1996 para a trilha de "Rei do Gado". Com essa gravação, que teve Agnaldo Rayol como convidado, a dupla passou mais uma vez de um milhão de discos vendidos. Eles tiveram músicas em novelas da Globo, do SBT e da Record.

A dupla se separou em 2000, depois de gravar o CD "Acústico", no qual rompeu os limites do sertanejo para incorporar, rock, pop e soul. Chrystian lançou seu primeiro álbum solo em português, "Beijo Final", em 2001. Além de boas vendas, o disco trouxe algumas músicas que seriam regravadas com sucesso nos anos seguintes por nomes como Edson & Hudson e Zezé Di Camargo & Luciano.

Desde então, ele alternou trabalhos solos com pontuais retomadas da dupla com Ralf, mas sem o mesmo bom desempenho nas paradas. Sua intenção de voltar a uma turnê maior foi prejudicada pela pandemia. Agora, mesmo com a saúde já delicada, com uma condição que faz surgir cistos no rim do paciente, ele tinha planos de uma nova série de shows. Chrystian era casado com Key Vieira, que se preparava com medicações prévias para doar um rim a ele. No entanto, não houve tempo para a cirurgia.

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