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Ícone cultural da PB, Cátia de França revela segredo para disposição aos 77

A paraibana Cátia de França, que lança o álbum 'No Rastro de Catarina' Imagem: Murilo Alvesso/Divulgação

Camilo Rocha

Colaboração para Splash, em São Paulo

21/06/2024 04h00

A paraibana Cátia de França transita pelas beiradas da MPB há cinco décadas. Ela é conhecida principalmente pelo cultuado álbum "20 Palavras ao Redor do Sol", lançado em 1979. O trabalho clássico, que funde forró e rock, tem participações de Lulu Santos, Zé Ramalho e Elba Ramalho.

A obra ficou esquecida por muito tempo, restrita a grupos de aficionados. Nunca foi lançada em CD como tantos outros álbuns de MPB das décadas de 1970 e 1980. Quando o disco finalmente foi parar no YouTube, o trabalho de Cátia começou a ser conhecido por novas gerações de ouvintes em todo o país.

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De lá para cá, Cátia de França pode ser ouvida de muitas maneiras: a maior parte de sua esparsa discografia de sete álbuns está no Spotify, "20 Palavras..." foi reeditado em vinil e a agenda de shows tem sido movimentada.

Cátia acaba de soltar o álbum "No Rastro da Catarina", um lançamento totalmente independente. À maneira de "20 Palavras...", oferece um arraial de estilos onde cabe rock, xote, reggae, psicodelia, soul e sofrência. Aos 77 anos, a artista segue criativa e energizada, com "coração de menina", como canta na faixa de abertura do novo trabalho. Como mantém essa disposição?

"Desde pequena acredito que as coisas acontecem porque Deus quer, então o que eu sou e o que construí provém disso", teoriza em entrevista a Splash por telefone. "Mas, obviamente que a gente se cuida. Apesar de não ser vegana fanática, não como carne, só peixe. Não uso remédio alopático, de farmácia, é tudo floral. E faço reposição de cálcio, essas coisas". Mas é também um exercício psicológico, segundo ela. "No momento em que você admite a velhice, você já quebrou as pernas."

Veja a capa do álbum 'No Rastro de Catarina', de Cátia de França

Falando de João Pessoa, onde nasceu em 1947, Cátia comenta sobre o show em sua cidade natal realizado na noite anterior. Segundo ela, o público em grande parte jovem cantou junto as músicas do novo trabalho. "Isso é que é o espanto!"

Na Paraíba, Cátia é um ícone cultural. Filha da primeira professora negra do estado, já foi agraciada com condecorações do executivo e legislativo por suas contribuições artísticas e culturais. Para além da música, Cátia publicou diversos livros, incluindo "Cátia de França: A vida na prosa rimada, a alma livre nos versos".

Referências da literatura

O encontro da música com a literatura permeia seu trabalho. "20 Palavras ao Redor do Sol" traz letras inspiradas em obras de João Cabral de Melo Neto e José Lins do Rego. Uma das músicas mais conhecidas do álbum, "Coito das Araras" (gravada depois por Amelinha e Elba Ramalho), tem como referência um conto de Guimarães Rosa ("A Estória de Lélio e Lina").

O clássico álbum teve apoio especial do amigo Zé Ramalho, com quem Cátia havia excursionando em 1978, tocando sanfona e percussão e fazendo vocais. Ramalho produziu e tocou na estreia de Cátia, gravada no Rio de Janeiro, onde a artista vivia naquele tempo. Além das participações de Elba e Lulu, outros artistas conhecidos deram as caras. O multi-instrumentista Sivuca foi um deles, assim como o sambista Bezerra da Silva, que tocou berimbau.

A cantora e compositora Cátia de França Imagem: Murilo Alvesso/Divulgação

"A gente entrava no estúdio e não tinha hora pra acabar, era uma eterna festa. As bases foram feitas em 12 dias", explicou a cantora. O resultado foi um trabalho inovador, com mesclas na época ainda pouco exploradas de linguagens e instrumentos do pop e do rock internacional com ritmos do Nordeste como maracatu, forró e xote.

Novas misturas

No novo trabalho tem "guitarras de dente travado", nas palavras de Cátia, como na faixa "Academias e Lanchonetes", suingue à la Jorge Ben Jor, em "Indecisão", e uma sofrência que cita Beatles na música "Eu" (a letra é um poema da portuguesa Florbela Espanca). Já "Conversando com o Rio" vem "sem complicação acadêmica ou palavras difíceis". "Você olhou, gostou. As pessoas se embalam com ela no show", descreve Catia.

Muitas das letras estavam na gaveta da artista há décadas, como "Negritude", composta em 1971. A mensagem é antirracista, como nos versos "Negro pesadelo do mundo branco/Negros militantes". De acordo com a musicista, é um som para dançar que "obriga a pessoa a pensar no racismo do Brasil".

Segundo ela, seu arquivo tem material suficiente para mais um disco. "Vou querer trazer isso à tona. Convidar outras pessoas para gravar comigo. Adoraria fazer algo com Alcione", especula.

Agradecida pelo "abraço do público jovem", que lota apresentações em espaços como o Itaú Cultural, em São Paulo, e a convenção Porto Musical, em Recife, Cátia diz que seu ganha pão é a música. Sem plano B, como tem sido comum para tantos artistas na era do streaming mal pago.

Eu vivo de música 24 horas por dia. Sou professora, mas não exerço. Ensinei violão, sanfona, mas foi por alguns anos. Vivo de shows porque a aposentadoria que tenho de professora é um salário mínimo. Não tive família bem-sucedida para me deixar algo, então sou eu comigo mesma, São mais de 50 anos de profissão fazendo a música séria popular brasileira.

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