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Os caprichos de Zeca Pagodinho: 'Fiz tudo para dar errado e deu certo'

Brasileiro não tem sossego nem depois que se aposenta. Jessé Gomes da Silva Filho, carioca de 65 anos, acaba de conseguir o benefício mensal de R$ 4.000. Seu sonho era ir para o sítio, curtir os netos. Mas ele terá que viajar pelo Brasil para complementar renda.

Zeca Pagodinho, como Jessé é conhecido, começou por São Paulo, nesta sexta-feira (21), a turnê que celebra seus 40 anos de carreira. No mesmo dia, lançou um álbum ao vivo.

A comemoração acabou cheia de datas extras — 22 no total, até dezembro.

A maratona de apresentações não é seu único compromisso.

O trabalho, para Zeca, parece assombração: quanto mais ele reza, mais lhe aparece. Nos últimos dias, por exemplo, inaugurou bar ao lado de um padre e gravou samba com evangélicos - o primeiro pagode gospel de sua carreira.

Outra surpresa da entrevista foi a ida ao INSS para assinar a aposentadoria. A burocracia, claro, o aborreceu.

"Eu me arrependi de ter ido lá. Por**, tive que assinar cinco vezes a mesma coisa, depois registrar a senha mais cinco vezes?"

Mas Zeca resolveu jogar no bicho fazendo uma combinação com o código do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). E acertou. "Ganhei na borboleta."

Zeca Pagodinho posa para o UOL no Bar do Zeca, na Barra da Tijuca, no Rio
Zeca Pagodinho posa para o UOL no Bar do Zeca, na Barra da Tijuca, no Rio Imagem: Zô Guimarães/UOL

Vida de trabalhador

Zeca conta que começou a trabalhar aos 14 anos. Um dos bicos foi no próprio jogo do bicho como apontador, mas ele também já foi camelô, feirante e contínuo.

Foram oito anos de carteira assinada antes de virar músico profissional — e Zeca diz que continuou contribuindo.

Hoje, o sambista tem um apartamento e uma casa na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio, e um sítio em Xerém, em Duque de Caxias (RJ). Na sua vida confortável atual, ele sabe que o INSS é um modesto — e merecido — complemento.

Minha despesa é muito grande, cara. É gente pra caramba. Eu que não trabalhe para ver.
Zeca Pagodinho que tem quatro filhos e será avô pela sexta vez

Mas, de ganhos e gastos, Zeca prefere distância. Leninha Brandão, sua empresária, é quem fecha os contratos e shows, e a família administra o resto.

[Quem cuida do dinheiro] é minha mulher, Mônica, e meu filho Luizinho. Eu não quero saber de nada. Me dá um cartão aqui e deixa eu beber, passear por aí e pronto. Não sei nem onde é o banco.

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Imagem: Zô Guimaraes/UOL

A indústria por trás de Zeca

O UOL teve acesso a alguns dos números de que Zeca foge tanto.

Para o show de fevereiro no Engenhão, que iniciou os festejos das quatro décadas de carreira, o governo do Rio entrou com R$ 1 milhão de patrocínio. A Ambev pagou mais R$ 1,5 milhão.

No total, os custos ficaram em R$ 4,6 milhões — foi um show especial, transmitido ao vivo pela Multishow e gravado para o álbum, por isso mais caro.

Um contrato entre Zeca Pagodinho e Leninha Brandão, assinado em 2016 e apresentado ao governo do Rio em 2024, estipula que o pagamento pessoal a Zeca deve ser de, pelo menos, R$ 60 mil por show.

A título de comparação, a Prefeitura de Diadema (SP) pagou R$ 265 mil por um show de Zeca em novembro de 2022, mas só uma fração vai para o bolso do artista.

O valor do cachê paga equipe de apoio, os outros músicos e demais custos de apresentação. Zeca excursiona com um time de 11 craques do samba.

O cantor e a empresária não quiseram comentar os valores.

 Zeca Pagodinho posa para o UOL no Bar do Zeca, na Barra da Tijuca, no Rio
Zeca Pagodinho posa para o UOL no Bar do Zeca, na Barra da Tijuca, no Rio Imagem: Zô Guimaraes/UOL

Sem querer querendo

Hoje em dia Zeca só quer saber dos números do seu relógio de pulso.

Ele impõe um limite rígido para o show começar: "Nove e meia da noite. Não passa disso. Se puder começar às sete, melhor ainda".

Zeca também briga por um intervalo maior entre turnês - a regra é nunca voltar a uma cidade no mesmo ano.

O objetivo é ter mais tempo para ficar vendo episódios de "Chaves" e outros programas com os netos.

Mas, "sem querer querendo", Zeca Pagodinho acertou em cheio na melhor estratégia de negócios da música para 2024.

O UOL mostrou que o mercado de turnês está saturado. Quem superestimou a demanda e quis aparecer demais se deu mal. Não foi o caso dele.

"Como ele não está disponível o tempo todo, cria uma saudade e vontade do público ir ao show", comemora Leninha.

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Imagem: Zô Guimaraes/UOL

Um sambista caprichoso

Zeca Pagodinho não gosta de fazer o que mandam.

Após a entrevista, nos bastidores, o cantor se recusou a gravar uma chamada de rádio pedida por sua equipe.

Leninha, que já trabalhou com Lulu Santos e Lobão, diz que ele "é o cara mais rock and roll" que conhece. "Apesar de tudo, ele continua sendo um rebelde."

O desdém de Zeca pela fama é histórico.

Revelado nas rodas do Cacique de Ramos, no Rio, ele escreveu "Camarão que dorme a onda leva" para Beth Carvalho e foi convencido a ir com ela ao "Fantástico" em 1984. Achou a vitrine que não buscava.

Agora, seu neto mais velho, Noah, de 14 anos, aparece cantando nas suas redes sociais. E se ele quiser ser artista?

Não adianta querer ser artista. Se a vida te escolher, vai. Eu fiz tudo pra dar errado e deu certo. Eu faltava no Chacrinha, faltava na Xuxa, faltava na Angélica, não ia em por** nenhuma. E tá aí.
Zeca Pagodinho

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Imagem: Zô Guimarães/UOL

O gênio musical

No Engenhão, Zeca Pagodinho parou o show para coçar o pé, errou entradas, saiu para ir ao banheiro e desistiu de tocar "Exaustino" após se perder na introdução duas vezes — uma bagunça que o público adora.

Quer saber o repertório dos próximos shows? Vai ficar querendo.

"A gente vai ver isso na hora. Eu não me preocupo. É só chegar lá e ver o que está escrito. 'Essa não dá, essa dá', e vamos embora."

Quem fica apertado com isso é o diretor artístico das turnês de Zeca, Paulão Sete Cordas.

É dele a ingrata tarefa de tornar um pouco mais organizada a presença caótica do amigo. "Ele nunca gostou de ensaiar", diz o resignado diretor.

Na música de Zeca, assim como nos negócios, o que parece torto se revela certeiro.

Paulão Sete Cordas tenta definir a genialidade do parceiro, que tem a desordem como padrão.

"[Ele canta] como se fosse uma ginga, um drible. Antecipa, depois retarda, pega na frente. Mas sempre chega ao lugar certo. Não canta quadradinho, muda o tempo de um jeito muito característico."

Em 21 de setembro, Zeca vai cantar pela primeira vez no Rock in Rio.

O que acha do festival? "Não sei nem como é", ele responde. Nunca viu.

Mas, no palco de samba ao lado de Alcione, Jorge Aragão e Xande de Pilares, ele diz que estará à vontade.

Pagodinho gospel?

A entrevista ao UOL aconteceu no Bar do Zeca no shopping Vogue Square, na Barra da Tijuca, uma das seis unidades da rede em expansão.

O dono é o empresário Paulo Pacheco. Zeca recebe direitos pelo uso de seu nome — eles não revelam o valor.

No dia 22 de maio, Zeca chamou um padre para abençoar a nova unidade do bar na zona norte do Rio. "Era o Padre Jorjão, meu amigo", ele explica. "Padre, pai de santo, evangélico. Quem quiser, venha."

Antes da entrevista, o sambista rodava pelo bar com o celular, trocando áudios no viva-voz. Entre recados aos filhos e pedidos à esposa, uma surpresa: Zeca ouvia um gospel com o aparelho mais perto do ouvido.

O som era do Chega Mais pra Cristo, grupo de pagode evangélico do Rio.

"Eles gravaram um samba que fiz com o Arlindo Cruz, '10 Mandamentos'. Foi a primeira gravação de uma música minha, pelo Walmir Lima [em 1981]. Conheci eles na gravadora e eles falaram: 'Zeca, podemos gravar?'. Eu falei: 'Podem. Eu ainda gravo com vocês.' Tá saindo agora", diz Zeca (o lançamento não tem data prevista).

Em Xerém tem muito evangélico. Eles sabem da minha religião, o espiritismo. Mesmo assim, todos me tratam com carinho, me abençoam. Não tem essa onda [de intolerância].
Zeca Pagodinho

Zeca diz que, com mulher evangélica e uma filha começando a frequentar cultos, vez ou outra as acompanha. "Às vezes vêm uns lá em casa fazer culto também", ele conta.

Ele diz que gosta dos cultos. "Só não gosto quando gritam muito. 'O demônio'. Ah, por**, eu não vim aqui para falar de demônio. Eu quero ouvir de Deus. Aí eu vou embora. Mas tem gente que tem a Palavra bacana, que é legal."

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Imagem: Zô Guimarães/UOL

'Macumba era uma beleza'

O sambista tem saudade de frequentar os terreiros do Rio, mas ele nem consegue mais subir o morro.

Tenho muita saudade da favela. Tinha um caldinho de mocotó, um pimentão recheado. Ia para o morro sexta e voltava domingo. Mas agora não dá. A violência é muito grande.
Zeca Pagodinho

Hoje só vai a Xerém. "Lá é outro papo. Nossa conversa é de bicho, comida, bebida. Não tem esse negócio de Zeca Pagodinho."

Ele diz que lá é chamado por dois apelidos: só "Zeca" ou "Maluco".

Na TV, além de "Chaves", curte "Escolinha do Professor Raimundo", "Sinhá Moça", "Sai de Baixo" e telejornal.

E as notícias não o deprimem? "É, mas a gente precisa saber. Senão fica achando que a vida é um morango, e não é mais. Poxa, fico tão triste. Muita violência, covardia. Agora esse tal de feminicídio. Todo dia alguém vai e mata uma mulher. Meu Deus do céu!"

Se fica triste demais, Zeca vai ao salão de beleza e faz as unhas.

Fico conversando lá. Todo dia vou ao salão. A Mônica perguntou se eu faço uma unha por dia. Pelo menos lá eu escuto e conto histórias, conheço pessoas. E vou fazendo amigos. Aonde eu vou, faço amigos.

Zeca tem diabetes e precisa controlar a alimentação e a bebida. Controlar, não parar, ele esclarece: "Bebo, logo existo".

Depois da turnê, ele quer diminuir ainda mais a agenda de shows.

"Eu não quero ter trabalho. Agora quero viver com os meus netos. Mais nada."

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