Arraes diz que papel em Grande Sertão afronta homens: 'Medo da sexualidade'
"Diadorim é um problema". Luisa Arraes, 30, vive um personagem andrógino em "Grande Sertão". Nascida mulher na trama de Guimarães Rosa e adaptada por Guel Arraes, ela se veste como um homem para integrar o bando criminoso do pai. No enredo, ela tem um envolvimento amoroso com o protagonista Riobaldo (Caio Blat), mas sua sexualidade só vem à tona após a morte.
Diadorim é filho de Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi) e ela é a maior lutadora. Ela é a maior guerreira, é para ser a sucessora, mas ele diz a ela que 'guerra não é lugar de mulher'como um fardo, digamos assim. Diadorim tem uma coragem que a maioria de nós não tem, que é de não acreditar nessa grande mentira.
Luisa Arraes, em coletiva de lançamento do filme acompanhada por Splash.
O que ela disse
Arraes fez a composição do personagem pensando em não cruzar a linha em que poderiam dizer "fez um homem". "Judith Butler fala uma coisa que eu adoro: 'Gênero nos forma, mas também nos afasta muito de quem somos de verdade', e Diadorim está nessa provocação".
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E eu queria o quê? O que pode ser de mais perigoso e corajoso numa pessoa? Não é a sua força física ou a sua violência física, mas queria que Diadorim estivesse ali no mundo dos homens pra questionar a sexualidade desses homens. É o que eles têm mais medo mesmo."
Atriz focou em tornar Diadorim o "mais perigoso, violento e corajoso" do banco de criminosos. "Acho que o homem tem mais medo da sua sexualidade do que de morrer, né? Queria que o feminino de Diadorim fosse o que ele tem de mais perigoso, isso que quero dizer. O que o feminino traz? É a conexão com o seu interior e o homem tem o passaporte pro mundo de fora, mas digamos que o feminino tem o passaporte pro mundo de dentro. Acho que isso que é a maior provocação do Diadorim".
Queria quase que ele fosse um homem gay. Quando ele fala [no filme] pra um dos bandidos que questiona a sexualidade com o Riobaldo: 'Você não quer? Vem você também!'. Isso que é o mais perigoso dele, tá ali naquele mundo de homens falando: 'Olha, vocês acham que sabem tudo, mas olha eu aqui bagunçando tudo'. Essa provocação desses dois polos, do masculino e do feminino, é o que há de mais perigoso nele.
Papel na trama que representa a grande tragédia social brasileira fez a artista contrariar a "regra" de que personagem feminino não mata. "Quando comecei a ensaiar, chamei todos os meus colegas de elenco: 'Vamos fazer aula de tiro?'. Todos já já tinham feito aula de tiro, porque viveram personagens masculinos e personagens masculinos matam e personagens femininos não. Isso é muito cruel porque é como se a violência fosse retirada de nós, e Diadorim vem com essa provocação."
Diadorim, segundo Arraes, é como o profeta grego Tirésias - que transitava pelos mundos masculino e feminino. "Mais interessante sobre Diadorim é que ele questiona até essa questão da essência, sabe? Quando a gente é criança, essas margens do gênero são menos rígidas do que elas são quando a gente é mais maduro. No sentido de que todos temos o masculino e o feminino dentro da gente, embora a sociedade tire muito dos homens o feminino e tire muito do masculino das mulheres."
Elenco de Grande Sertão: Caio Blat (Riobaldo), Luisa Arraes (Diadorim), Luis Miranda (Zé Bebelo), Rodrigo Lombardi (Joca Ramiro), Eduardo Sterblitch (Hermógenes), Mariana Nunes (Otacília), Luellem?de?Castro (Nhorinhá), Vittória Seixas (Diadorim - 1ª fase), Vitor Valle (Riobaldo - 1ª fase) e Maria Eloiza (Nina).
"Grande Sertão" chegou aos cinemas brasileiros no último dia 6 de junho. A expectativa é que o longa fique seis meses em cartaz — segundo a Globo Filmes.