Por que 'Salò ou os 120 Dias de Sodoma' volta a chocar as pessoas?
"Salò ou 120 Dias de Sodoma" é um dos filmes mais controversos de todos os tempos. Lançado em 1975, ele teve a sua primeira exibição poucos dias depois do assassinato do diretor da obra, o italiano Pier Paolo Pasolini. A sua temática é forte e chocante, com cenas de tortura sexual e psicológica, violência explícita e até mesmo coprofilia — a excitação sexual causada pelo contato com as fezes.
O título chegou recentemente ao Disney+ em alguns territórios internacionais e tem causado comoção, afinal a plataforma é considerada para a família. Entre as reclamações do público desavisado que assiste ao longa, muitos dizem que não conseguem nem mesmo chegar ao final da produção.
No Brasil, o filme está disponível na Darkflix, plataforma brasileira de streaming voltada ao público de terror.
A história é baseada na obra do Marques de Sade "Os 120 dias de Sodoma", e se passa em 1944, na cidade italiana de Saló, ocupada por nazistas. Quatro fascistas sequestram 18 jovens e os aprisionam em um palácio. Na mansão vigiada por guardas, os fascistas cometem todo o tipo de experiências com os jovens, que passam a ser usados como uma fonte de prazer sexual, masoquismo e morte.
Dividido em quatro segmentos inspirados na "Divina Comédia" de Dante Alighieri: o Anteinferno, o Círculo de Manias, o Círculo de Excremento e o Círculo de Sangue. O filme contém referências frequentes e várias discussões ao livro "A Genealogia da Moral" (1887), de Friedrich Nietzsche, ao poema "Os Cantos", de Ezra Pound, e Marcel Proust, "Em Busca do Tempo Perdido".
Banido
Filme foi proibido em diversos países. Ele estreou no Festival de Cinema de Paris em 23 de novembro de 1975 e, depois, teve uma breve exibição nos cinemas da Itália, até ser banido em janeiro de 1976. No Brasil, "Salò" chegou em 1988, após o fim da censura no país. Ele foi exibido no Rio.
Repercussão
No Letterboxd, rede social voltada a filmes, o filme tem nota 3,1, de 5. Entre os comentários positivos estão: "Meus pais finalmente cederam e assinaram o Disney+, então obviamente essa foi a primeira coisa que assisti", escreveu um usuário. "Um filme absurdamente complexo que infelizmente foi resumido à infâmia de carregar o título de 'mais nojento/mais chocante' já feito, quando é muito mais do que isso", disse outro.
Entre os que não gostaram, estão: "Pior filme que eu assisti em toda a minha vida, o filme não leva a lugar nenhum, puro suco de maldade", escreveu. "Vi cerca de 30 minutos antes de sair da sala com nojo. Todas as pessoas que chamam isso de cinema estão mentindo. Fui levado a acreditar que verdadeiros cinéfilos assistem e entendem esse filme, mas isso não pode estar mais longe da verdade", escreveu outro.
Assassinato
Um relatório da Comissão Parlamentar Antimáfia da Itália indicou que o homicídio do cineasta Pier Paolo Pasolini, ocorrido em 1975, pode estar ligado ao furto das versões originais de algumas cenas de "Salò ou os 120 Dias de Sodoma". O filme ainda estava em produção sendo lançado poucas semanas depois do crime. Segundo o relatório final do comitê, divulgado em 2020, Pasolini havia viajado a Ostia, no litoral de Roma e local de sua morte, justamente para tentar recuperar as gravações.
A Comissão Parlamentar Antimáfia ainda diz que essa hipótese teria tido o envolvimento de "grupos criminosos de destaque", como a Banda della Magliana, organização já extinta e que mantinha laços com a máfia e a extrema-direita italiana. "Soluções judiciais parecem agora improváveis, mas ainda é útil, sob a perspectiva histórica, que as buscas pelas motivações e modalidades das agressões que causaram a morte de Pasolini, ambas jamais esclarecidas, sejam eventualmente retomadas", afirma o comitê, acrescentando que suas suspeitas ainda são "embrionárias".
O único condenado pelo assassinato de Pasolini foi o ex-garoto de programa Giuseppe "Pino" Pelosi, morto de uma doença não revelada em julho de 2017. Menor de idade na época do crime, Pelosi disse inicialmente que matou o cineasta durante um encontro sexual frustrado, porém ele mudaria sua versão décadas mais tarde, afirmando que o intelectual foi assassinado por outras três pessoas.
No entanto, Pelosi nunca deu nenhuma pista que permitisse a identificação dos supostos autores. Até hoje, a família de Pasolini acredita que o cineasta, um comunista convicto, tenha sido morto em função de motivos políticos.