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Xande de Pilares ressignifica Caetano Veloso ao vivo e SP aplaude de pé

Parece existir um peso para quem canta e escolhe interpretar composições de Caetano Veloso. Primeiro, a responsabilidade de cantar músicas tão emblemáticas, mas, acima de tudo, o peso da comparação com as interpretações do próprio Caetano e também de outros cantores que praticamente se apropriaram de algumas músicas dele, como Gal Costa, Maria Bethânia e Roberto Carlos. Por isso, a missão de Xande de Pilares de cantar Caetano não foi fácil.

Mesmo com a intenção de homenagear o compositor baiano, um de seus mestres cuja obra que ele cresceu ouvindo, e sem se cobrar para fazer sucesso com essas releituras, Xande sabia que estava entrando em solo sagrado quando decidiu, no ano passado, gravar um disco "Xande Canta Caetano" — e, consequentemente, estaria exposto a comparações e críticas.

O desafio ganhou novos contornos quando o tributo se tornou também turnê, que já está na estrada. Ele apresentou o novo show no sábado (20), no Espaço Unimed, em São Paulo.

Mas Xande pode acalmar seu coração. Visivelmente nervoso e emocionado, sobretudo no início do show, o cantor conseguiu reafirmar no palco que foi acertado se desafiar e revisitar a obra de Caetano.

Xande furou a bolha das interpretações consideradas definitivas para certas canções do compositor e conferiu a elas sua personalidade, com seu canto visceral e arranjos que acertadamente as tiram daquele lugar já conhecido, confortável para o público.

À sua maneira, Xande também se apropria dessas canções (e não há exagero em afirmar isso) e as leva para seu universo do partido-alto. É interessante observar como Caetano ganha nova ressignificação quando transportado para esse universo, mesmo tendo sambas em sua obra.

Xande de Pilares passou por São Paulo com a turnê em que canta Caetano Veloso
Xande de Pilares passou por São Paulo com a turnê em que canta Caetano Veloso Imagem: Leca Suzuki/Espaço Unimed

Ao longo da apresentação, instaura-se, ainda, uma sensação curiosa: é inevitável lembrar das interpretações de Caetano para "Luz do Sol', de Roberto Carlos para "Força Estranha" ou de Gal para "Tigresa", quando Xande começa a cantar essas músicas, mas não demora muito para que sua interpretação se sobressaia a essas lembranças. Isso porque não existe uma competição, mas a prova de que é possível revisitar essas músicas de uma forma original, sem macular versões já tidas como clássicas.

Para fazer um show com cerca de 1h30 de duração, Xande teve naturalmente que ampliar o número de canções do repertório para além das dez faixas do disco e estava acompanhado por uma banda de músicos virtuosos — um destaque à parte, aliás —, formada por percussão, cordas e instrumentos de sopros, sob o comando do diretor musical Pretinho da Serrinha, figura que se tornou onipresente na cena da MPB. A direção artística do show é de Regina Casé.

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Xande de Pilares subiu ao palco às 22h50, fazendo citação da canção "Sampa", de Caetano, composta em homenagem a São Paulo ("Alguma coisa acontece no meu coração"), para depois o cavaquinho dar o tom da introdução de "Muito Romântico", a primeira também que abre o disco "Xande Canta Caetano", em uma versão que se distancia das gravações de Roberto Carlos e Caetano.

"Quando conheci essa música, achei que era do Roberto Carlos. Mais para a frente, descobri que era do Caetano", lembrou Xande, falando com a plateia. Ele também descobriu, com o tempo, que "Luz do Sol", famosa na voz de Gal, também foi composta pelo baiano. E "Luz do Sol", que é uma das faixas de destaque de seu álbum-tributo, ganhou mais potência ao vivo, em uma interpretação de arrepiar.

Xande de Pilares durante show no Espaço Unimed, em São Paulo, na noite de sábado (20)
Xande de Pilares durante show no Espaço Unimed, em São Paulo, na noite de sábado (20) Imagem: Leca Suzuki/Espaço Unimed

Com belos arranjos feitos especialmente para o projeto, Xande enfileirou "Qualquer Coisa", e os clássicos "Reconvexo" e "Alegria Alegria", que ele emendou com "Queixa". "Trilhos Urbanos", com incidental de "Retirantes", de Dorival Caymmi, foi acompanhada por palmas pela plateia, que estava acomodada em mesas e cadeiras, mas queria se levantar e ficar o restante do show em pé.

Ele fez, ainda, tocantes interpretações de "Trem das Cores" e "Tigresa", outros sucessos de Caetano, e cantou "Diamante Verdadeiro", um samba-choro menos conhecido do compositor.

"Força Estranha" ganhou versão potente, praticamente à capela, acompanhada, de maneira discreta, apenas pelo violão. Ao final, o público o aplaudiu de pé, o que embargou a voz de Xande em "O Amor". "Não façam isso que vocês fizeram. Quase desafinei na outra", brincou.

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Outros clássicos "Desde Que o Samba É Samba", "Lua de São Jorge", "Tieta" e "Gente" embalaram a última parte do repertório dedicado a Caetano. Sem pausa, Xande emendou o bis, com canções de sua autoria, incluindo de seus tempos de Grupo Revelação, como "Trilha do Amor", "Deixa Acontecer" e "Tá Escrito", e com homenagens ao Salgueiro.

É compreensível que Xande queira acarinhar os fãs com um set só com seus sucessos — ou reforçar que ele também é compositor —, mas seu público já estava extasiado com as releituras que ele havia feito de Caetano e certamente estava esperando mais no bis.

Por isso, essa última parte da apresentação, off Caetano, acabou ficando descolada do show principal. Nessa turnê inspirada em "Xande Canta Caetano", Xande de Pilares deveria assumir, sem medo, seu lado intérprete e focar única e exclusivamente na obra de seu mestre, que é extensa — e mereceria outras releituras.

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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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