Vanessa da Mata estreia em musical como Clara Nunes: 'História fundamental'

Entre os desafios dessa nova empreitada, Vanessa conta que tem trabalhado a ideia de interpretação, de postura de atriz que nunca teve.

"Essa ideia das palavras que é muito diferente, palavras sem melodia, a intenção de fala, a sensibilidade de largar o meu corpo e entender uma mulher daquela época com suas dificuldades, seus amores", avalia a protagonista do musical.

É muita coisa para digerir ainda, mas, para mim, é um grande desafio chegando aos meus 50 anos. Tudo bem, eu sou compositora, lido com as palavras, mas é um outro lugar. Essa coisa de emprestar o corpo, a alma e a sensibilidade para viver uma outra pessoa é muito legal. Vanessa da Mata

A nova rotina envolve preparação vocal e corporal, além de ensaios que têm durado cerca de 12 horas por dia — e a busca de referências em produções audiovisuais para ajudar na composição da personagem.

São os trejeitos, a sobrancelha, a voz que era mais voz do peito. Tenho um médio agudo muito grande, apesar de a gente cantar na mesma região. Ela tem voz mais grave e também uma influência maior de Ângela Maria, de Dolores Duran. Todas as músicas estarão no tom da Clara. Vanessa da Mata

Similaridades

Nesse mergulho na vida e obra de Clara, Vanessa identificou também algumas similaridades entre a trajetória das duas. Clara Nunes, por exemplo, tem um teatro que leva seu nome, no Rio de Janeiro, enquanto Vanessa é uma das sócias da Casa Natura Musical, em São Paulo.

Clara deixou Minas Gerais por volta dos 15, 16 anos; já Vanessa largou tudo em Mato Grosso aos 14 anos. Sem contar na devoção e na dedicação irrestritas de ambas à música.

Nascida na cidade mineira de Paraopeba, Clara Nunes, a mais nova de sete irmãos, teve uma infância humilde e marcada por perdas, como a morte de sua mãe e seu pai quando ainda criança. Sua vida foi marcada por outra tragédia: o irmão matou o ex-namorado dela, que a difamava por não aceitar o fim do relacionamento.

Mais tarde, ela se mudou para o Rio, o que causou um efeito catártico em sua carreira. Clara deixou para trás o repertório de boleros, se aproximou dos sambistas, do candomblé, da umbanda, se tornou portelense.

O Rio, o mar, o namorado na época, que era amigo dos sambistas. Faltavam intérpretes que levassem esse samba para as pessoas. Com certeza, tinham muitas, mas acho que a televisão, o rádio da época não davam tantas oportunidades. Ela entrou em um grupo de muito privilégio e fazia isso muito bem. Foi no coração das pessoas, ela era muito querida. Vanessa da Mata

O musical

Vanessa e o diretor Jorge Farjalla se conheciam por meio de um amigo em comum, mas estreitaram as relações na época que "O Mistério de Irma Vap" estava em cartaz, no Rio. Era 2019. Farjalla, Luis Miranda, ator da peça e compadre de Vanessa da Mata, e a cantora foram jantar após o espetáculo.

Ali Vanessa convidou Farjalla a dirigi-la em um musical sobre Clara Nunes. O diretor aceitou. O projeto precisou ficar engavetado por alguns anos por causa da pandemia, mas foi retomado recentemente.

"Ficamos muito amigos, eu e a Vanessa. Mas, antes de acontecer o musical, eu falava: 'Tenho que te dirigir para você me conhecer e eu te conhecer também', e acabei fazendo a direção do show dela, o 'Vem Doce', de seu último disco", conta Jorge Farjalla.

Farjalla não queria fazer de 'Clara Nunes - A Tal Guerreira' um musical em formato documental, cronológico. A solução encontrada foi contar essa trajetória como uma viagem onírica, "costurada" por canções de Clara.

Bibi Ferreira

O ponto de partida é o palco de um teatro, onde Clara está ainda presa no plano físico, mas é guiada pela amiga e diretora Bibi Ferreira (interpretada por Carol Costa) e por seus orixás. A atriz Badu Morais substitui Vanessa no papel principal quando a cantora precisa se ausentar.

"Eu tinha um filme na minha cabeça chamado 'De-Lovely - Vida e Amores de Cole Porter', sou apaixonado por esse longa, e tem um interlocutor nesse texto que senta ao lado de Cole Porter e conta para ele a história dele. Foi quando, na minha cabeça, eu tinha a Bibi Ferreira, que foi a diretora dos projetos da Clara, e comecei a pensar que a Bibi poderia acompanhar a Clara nessa trajetória", explica o diretor.

No meio disso tudo, o desafio maior era fazer Vanessa da Mata se reconhecer como atriz. "Ela tinha meio caminho andado, mas ver ela brotar em um palco de um musical como atriz, além de ser uma responsabilidade para mim, é muito gratificante vê-la entender o processo", diz Farjalla.

Tem uma coisa que sempre falo para ela que a Vanessa tem de especial demais, que é a escuta na cena. Porque toda ação gera uma reação. Se estou em cena conversando com alguém, preciso entender o que essa pessoa está me dizendo. Ela processa esse pensamento, e traz reações que são surpreendentes. Jorge Farjalla

Clara Nunes é uma influência musical potente para Vanessa da Mata. "Foram poucas homenagens feitas a ela ainda. Clara não deixou herdeiros para cuidar de seu legado. Então, isso também atrapalha. Ela foi muito precoce embora", diz a cantora. "Acho que é fundamental contar a história dela. É riquíssima, necessária."

Clara Nunes - A Tal Guerreira

Quando: de 2/8 a 29/9; sextas, às 21h, sábados, às 17h e às 21h, e domingos, às 16h e às 20h
Onde: Teatro Bravos (r. Coropé, 88, Pinheiros, São Paulo, SP)
Classificação: 12 anos
Atenção: Vanessa da Mata não fará as sessões dos dias 10/8, 16/8 e 24/8; dia 30/8 não haverá sessão
Quanto: a partir de R$ 75
Ingressos à venda pelo site da Sympla.