Rapper Boombeat engrossa time de Pabllo Vittar, Pepita e Gloria Groove

"Seja Bem-Vinda! Voa!". Assim termina o feat de Emicida na faixa "Céu", no novo álbum de Boombeat, "METamorFOSE". O trabalho expressa todo o processo da rapper ao escolher vivenciar seu gênero enquanto travesti.

O que aconteceu

O lançamento, que é primeiro disco após Boombeat deixar o coletivo Quebrada Queer, também representa uma guinada na carreira da artista, conhecida por suas rimas ácidas. Ela ainda conta com participações de Tuyo, Urias, Duquesa e Cynthia Luz, além de apresentar a primeira cypher travesti do Brasil com Siamese, Sodomita e Tonny Hyung.

Já na intro, um áudio de Erika Hilton dá o tom do álbum que traz as diferentes vivências de Boombeat. Na sequência, com a faixa "Travesti", a rapper abre o disco se posicionando e afirmando "se fosse para agradar a todos, nem travesti eu vinha". A rapper conversou com Splash sobre o lançamento e o papel social do seu trabalho.

Quando eu canto a música 'Travesti' é como uma resposta para a sociedade. É uma denúncia, mas com muito amor próprio. Eu uso o deboche como escudo e ensinamento. Mostro o quanto as pessoas são burras com algumas atitudes. Minha ideia é que se questionem se o que estão fazendo, se a posição que assumem, faz mesmo sentido. Boombeat

Posicionar-se faz parte da estratégia de Boombeat para se firmar no rap que é um espaço predominantemente masculino e cis. Esse mesmo machismo, que também afeta as mulheres cis da cena, está presente em outros estilos musicais e atingem artistas LGBTQIAP+ como a funkeira Pepita, Ana Frango Elétrico, Pabllo Vittar e Gloria Gloove — que recentemente se lançou no pagode, espaço igualmente masculino e cis.

Gloria Groove, Pabllo Vittar e Pepita são artistas que se destacam em gêneros musicais dominados por homens
Gloria Groove, Pabllo Vittar e Pepita são artistas que se destacam em gêneros musicais dominados por homens Imagem: Divulgação

São reflexos das estruturas sociais que adicionam obstáculos nas trajetórias de quem foge às "regras". "A cena é só uma foto 3x4 da sociedade. Quando eu entro no rap e me deparo com homens heteros cis, não é nada diferente do que eu ja vivia antes."

Depois que passei a vivenciar meu gênero, passei a ter mais segurança, a enfrentar o medo e fazer dele combustível. Eu vou enfrentando e vou me colocando como uma potência nos lugares em que existo para que entendam a importância de eu estar ali. Boombeat

Muito além de travesti

Porém, o álbum não fala especificamente de uma luta travesti — por mais que todas as 12 faixas tenham sido compostas por uma; ele traz mensagens de amor, ódio e outras temáticas. Para a artista, tratar de diferentes assuntos é uma forma de humanizar sua existência e se conectar com o público porque é possível se sentir pertencente à obra mesmo não sendo uma pessoa trans.

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Eu quero mostrar que eu sou muitas coisas além de ser travesti. Cada faixa conta uma história diferente. O que liga uma música à outra é o amor próprio. Todas as músicas me colocam para cima. Desde a faixa em que eu falo da militância travesti, até a faixa onde eu falo que sou chata mesmo ( na música 'Chata', com Urias e Duquesa). Boombeat

O álbum está sendo pensado há três anos e recebeu esse nome para sintetizar tudo o que o público acompanhou antes da transição e durante todo o processo vivido por Boombeat. A forma como o nome do álbum está escrito tem por objetivo destacar a palavra amor. A capa também foi construída cheia de significados.

'METamorFOSE' é uma expressão de amor próprio. É um processo de renascimento que foi acompanhado pelo público. Para eu existir, minha metamorfose aconteceu com muito cuidado e carinho comigo mesma. Assim também pensei na capa na qual estou saindo do casulo. Boombeat

A rapper Boombeat
A rapper Boombeat Imagem: Divulgação

Como tudo começou

Boombeat está focada na realização dos seus sonhos — o que a motivou a largar um emprego como operadora de telemarketing aos 22 anos e a levou para os palcos. Hoje, aos 30, relembra as dificuldades do começo e como tudo o que passou a fez chegar até a "METamorFOSE".

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Eu era uma criança que ouvia muito Racionais e RZO. Muito por conta do meu irmão mais velho. Mas eu não me sentia pertencente. Foi só com meus 17 para 18 anos que comecei a me envolver com o rap. Eu ouvia muito Rael, Emicida, Flora Matos. Quando escutei Rico Dalasam me identifiquei muito por ele ser um homem negro gay de periferia. Na época, estudava com a Bivolt, uma rapper aqui de São Paulo, nós éramos muito próximas. Quando eu deixo o emprego no telemarketing passo a andar mais com ela, começo a produzir para ela, a compor e a fazer as dobras nos shows (segunda voz). Bivolt segurou minha mão na minha primeira batalha. Boombeat

Bivolt a incentivou a cantar suas próprias composições. Com vídeos publicados na internet, Boombeat acabou convidada para o Coletivo Quebrada Queer, gravando sua primeira cypher e viajando o Brasil. Mas há um ano decidiu seguir sua carreira solo para poder expressar sua vivência travesti de forma plena.

Feats e planos futuros

Depois das 12 faixas compostas, Boombeat pensou em trazer diversidade para o álbum e em nomes que pudessem realizar feats que levassem sua mensagem para outros públicos. Foi assim com Tuyo, Urias, Duquesa, Cynthia Luz e Emicida — um dos ídolos que a inspirou no início da sua caminhada na cena.

Capa do álbum 'METamorFOSE' da rapper Boombeat
Capa do álbum 'METamorFOSE' da rapper Boombeat Imagem: Divulgação

Quando eu fiz a música, vi que era um boom bap e senti que era para o Emicida. Então, corri com os contatos. O 'não' eu já tinha, mas ele topou. Aliás, todos que convidei toparam. Eu compus as minhas partes e refrões e cada convidado trouxe as suas rimas. E que o Emicida trouxe me atravessou. É um verso muito profundo que fala da fragilidade da masculinidade cis, das vidas trans que foram assassinadas, da falta de justiça e todos os outros nomes de artistas trans que ele coloca ali me pega muito mais do que ter o Emicida num feat comigo. Sinto que vai atravessar pessoas como reflexão e ferramenta de transformação social. Boombeat

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A faixa com Emicida e Cynthia Luz foi escolhida como a música de trabalho do álbum. Nos versos, o rapper traz nomes de ícones como Lafond, Madame Satã e de cantoras como Majur, Liniker e Bixarte. "Céu" também será o primeiro audiovisual de "METamorFOSE" — que será lançado nas próximas semanas. Além do clipe, Boombeat também se prepara para o show de lançamento do álbum, que ainda não tem data, mas já tem balé ensaiado.

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