Gianecchini diz que cansou de falar de sexualidade: 'Cada um tem a sua'
Reynaldo Gianecchini, 51, vive o desafio de seu primeiro musical como a drag queen Tick/Mitzi, em "Priscilla - A Rainha do Deserto". O ator não esconde que teve medo de aceitar o papel, mas topou o trabalho — que está em cartaz no Teatro Bradesco até 1 de setembro — para se desafiar num personagem diferente dos gãlas que viveu na TV.
Achei uma loucura [o convite]. Falei: 'deixa eu pensar', porque nunca tinha feito musical, é um trampo forte, principalmente, pra quem não é do meio. Demorei um tempão pra decidir, pensei muito e falei: 'quero bancar esse desafio e me desenvolver nesse lugar. Sei que vou ter que lidar com muita coisa, com meus próprios medos, mas aceitei'.
Reynaldo Gianecchini, em entrevista para Splash
'Fui gongado, mas sempre me mantive firme'
Papel no musical atende ao desejo de Gianecchini de quebrar o rótulo de mais de 20 anos como "galã de novela". "Nunca pedi esse rótulo. Você meio que encaixa num lugar, vai dando certo e periga ficar rotulado, mas nunca tive medo de perder. Sempre quis quebrar com esse rótulo, ou não é nem isso, só queria fazer todos personagens."
Relacionadas
Nunca quis também fazer só televisão, só novela. Sempre fiz teatro desde quando comecei e sempre procurei buscar estar atento a outras narrativas, outros tipos de contar histórias, com outros personagens que não são aqueles tão marcadinhos do príncipezinho, mocinho, bonzinho.
Interpretar Tick, que se torna a drag queen Mitzi, fez Reynaldo lidar com questionamentos da comunidade LGBTQIAPN+ e ataques homofóbicos. "Sabia da importância de 'Priscilla' quando estava aceitando e também do que podia trazer. Achei legal trazer a bagagem do galã e desconstruir pra fazer um olhar lindo sobre o mundo drag. No começo, foi difícil, fui um pouco gongado por estar nesse lugar, mas sempre me mantive firme."
Quando comecei a postar as fotos de drag, dei uma chacoalhada nessa visão careta e preconceituosa das pessoas, e recebi muitos comentários homofóbicos. Isso me assustou um pouquinho, não que eu não esperasse, porque a gente sabe do país que a gente tem.
Ator diz que o trabalho em 'Priscilla - A Rainha do Deserto' ensina sobre amor e família e o vê como uma arma para combater o preconceito. "A peça é linda porque a gente tá falando de amor, tá falando de aceitação. Ninguém tá levantando a bandeira da militância ou querendo colocar algo. É muito bonito que é como eu acredito que tem que ser mesmo."
Acho que os tempos agora pedem muito de você enxergar a beleza, de você ser quem você é, do jeito que você é e ser único. Só tem você desse jeito, pode ter coisas parecidas, mas só você pode fazer daquele jeito. Cada um tem o seu valor, cada um tem que ser acolhido e não importa a coisa física, a sua cor, a sua sexualidade. Tudo tem o seu valor.
Entrada do ator no mundo dos musicais exigiu estudo para saber como agir rápido em cena. "É muita informação em muito pouco tempo. Os seus neurônios têm que dar conta de um número de informações e traduzir para o corpo num tempo recorde, porque muitas vezes você entende, mas não consegue traduzir tão rápido pro corpo. Leva um tempo pra você se soltar.
Outra coisa também do mundo musical que para mim era quase impossível: as trocas de roupas em 30 segundos. A gente vira drag, às vezes, em 30 segundos. Você fala: 'não vou entrar em cena'. Se você errou o sapato ou enganchou, você não entra e perdeu a cena e não pode parar o espetáculo. É um nível de dificuldade bizarro.
'Ninguém conta da sexualidade de ninguém'
Reynaldo Gianecchini interpreta um personagem que vive as frustrações do mundo drag e questiona se o filho irá aceitá-lo. Aceitar o projeto também foi visto como uma chance do artista se conectar com a comunidade LGBTQIAPN+ e falar sobre sua sexualidade fluída.
Me vejo parecido. Parece que o personagem sempre chega num momento muito importante. Não é por acaso que escolho esse personagem, porque o processo pra criar vai esbarrar em coisas que eu tô vivendo. Teve questionamentos que eu tô tendo, coisas que eu quero ampliar um pouco a visão dentro de mim e o personagem me ajuda.
Vivendo seu primeiro musical, Reynaldo não esconde que a cada apresentação revive o "frio na barriga" da época em que estreou em 'Laços de Família' (Globo). "Esse frio na barriga sempre tem, porque teatro é na presença que tudo acontece. Você pode saber tudo aqui, mas tem um dia que você pode não estar bem, dar um branco ou estar distraído. Todo espetáculo muda e nessa profissão nada se dá como certo."
Com a chegada do papel em 'Priscilla', Gianecchini chegou a falar abertamente da sua sexualidade, mas pretende dar um basta no tema por entender que "ninguém pode o colocar numa caixinha". "Já deu, né? Já falei tudo que tinha para falar. Eu sei que sexualidade é sempre muito polêmico, porque as pessoas não entendam a complexidade. Elas querem tratar sempre como uma coisa que resolve dizendo é isso ou aquilo. Eu acho que a sexualidade é um papo pra você se aprofundar sempre e cada um tem a sua, né?."
Cada um faz o exercício de olhar para a sua e parar de falar sobre a sexualidade dos outros, julgar ou contar sobre a sexualidade. Ninguém conta sobre a sexualidade de ninguém. Eu realmente acho que eu não preciso mais falar sobre ela, já falei tudo que tinha pra falar.
Serviço:
Musical: Priscilla, a Rainha do Deserto
Data e horário: de quinta a domingo com horários variando entre 16h e 20h (de Brasília). A peça está em cartaz até 1 de setembro.
Ingressos: a partir de R$ 21,18 (https://uhuu.com/)
Local: Teatro Bradesco, em São Paulo