Herdeiros do manguebeat encontram terreno fértil para mistura de ritmos

A semente plantada pela trupe de Chico Science e Nação Zumbi, no início do movimento manguebeat, segue dando muitos frutos. Se, há três décadas, foi preciso derramar muito suor para mostrar que promover um diálogo entre a cultura popular e a música pop era possível, hoje, o terreno é mais fértil para essas misturas.

O pernambucano Zé Manoel é um dos promissores nomes do pós-mangue. Ele levou o piano, misturado a tambores, alfaias e guitarra, para o palco.

Já o poeta e cantor Martins, deu vida aos seus versos com rabeca, guitarra e sanfona.

E, com apenas 22 anos, o forrozeiro Zé Lord escolheu os clássicos do forró repaginados por arranjos contemporâneos para o seu primeiro álbum.

O que há três décadas soou incomum para o público ouvinte e até para os profissionais da cena musical, hoje é valorizado e bem recebido pelo público e a crítica, pois está com um pé na modernidade e com o coração nas raízes.

Apreço pelo piano

O pernambucano Zé Manoel é um dos promissores nomes do pós-mangue
O pernambucano Zé Manoel é um dos promissores nomes do pós-mangue Imagem: Divulgação

O cantor sertanejo Zé Manoel, 44, cresceu rodeado pelas influências dos sertões de Pernambuco, Bahia e Ceará. Mesmo bem resolvido com as suas raízes, ele nutre apreço pelo piano e inicia aulas particulares para dominar o instrumento.

Aos 18 anos, decide morar em Recife e encontra uma cidade tomada pela cena pós mangue. É tomado pelos acordes do Mombojó, Academia da Berlinda, Orquestra Contemporânea de Olinda, ritmos que vão lhe soando como possibilidades de diálogo com o seu piano clássico.

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Zé Manoel lança os álbuns homônimos, "Zé Manoel", sendo o primeiro ainda muito ligado a sua relação com Petrolina e o segundo, já em parceria com Juliano Holanda, um espelho das paisagens urbanas do Recife. Aos poucos a identidade fortemente influenciada pelo manguebeat vai ganhando um formato mais nítido.

Após uma década vivendo na capital do manguebeat, o cantor afirma que o seu nome ganhou proeminência, "mas faltava monetizar e profissionalizar o trabalho".

Ele decide fincar raízes em São Paulo, onde é recebido pelo empresário e idealizador da São Paulo Fashion Week, Paulo Borges, o DJ Zé Pedro e o produtor Tiago Marques. Logo a cidade lhe aponta diversas possibilidades do seu som pós mangue ganhar eco.

São Paulo foi a casa que abriu as portas para o meu trabalho. Eu fiz o piano dos álbuns de artistas como Ana Carolina, Vanessa da Mata, Fafá, Adriana Calcanhoto e Maria Bethânia. Zé Manoel

Já com quatro álbuns lançados, Zé Manoel mostra toda a sua influência mangue em "Do Meu Coração Nu", que traz as suas reflexões sobre questões raciais, embaladas pelos tambores do grupo Bongar. Esse grupo é formado por jovens descendentes de linhagem pura da nação africana Xambá, localizada em Olinda, Pernambuco.

Hoje, ele viaja pelo Brasil ao lado de Amaro Freitas, interpretando canções do Clube da Esquina. E, no mês de agosto, lança o novo álbum, "Coral", um compilado de 11 faixas com participações de Alexandra Leão, Luedji Luna, Dora Morelenbaum e Ubiratan Marques. "Tudo isso é mangue, é mistura, traz muitas referências", explica.

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Versos, amor e rabeca

O cantor pernambucano Martins
O cantor pernambucano Martins Imagem: Arquivo Pessoal

O berço que gerou o artista pernambucano Martins bebe da fonte de duas potências culturais: o Sertão, terra de Luiz Gonzaga, e a Zona da Mata Norte, chão do maracatu rural, conhecido como de baque solto.

O seu primeiro contato com a arte veio pelos versos da poesia. Aos 18 anos, ele descobriu o movimento manguebeat e viu que nele cabia a sua poesia, além da música e tantas outras formas de arte.

O flerte com os instrumentos surgiu com a compra da rabeca sob a influência do grupo Mestre Ambrósio, banda que o conduziu ao estilo cavalo marinho. "Nesse momento, eu começo a compor músicas", explica.

Em 2009, criei a banda Sagarana, uma homenagem a Guimarães Rosa. Logo após, a banda Marsa, com uma pegada mais rock, até partir em carreira solo. Martins

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Em seu segundo álbum solo, Martins se consagra pelas letras românticas e afiadas, embaladas por uma mistura de cavalo marinho, afoxé, maracatu com guitarras psicodélicas. As letras são uma ode à "revolução pelo amor, o amor que protesta pela forma como conectamos o nosso eu com o mundo", resume.

Outra marca do artista é a voz agudíssima e rara, andrógina e cativante. O jeito único de imprimir a sua arte com letra e música de marca registrada arrebatou os corações de titãs da música popular brasileira. Ney Matogrosso ("Estranha Toada"), Simone ("A Gente Se Aproveita"), Daniela Mercury e Margareth Menezes ("Me Dê") já gravaram composições do jovem ruivo, de jeito doce e serelepe.

Forró repaginado

Zé Lord é o nome artístico do cantor pernambucano José Farias Melo
Zé Lord é o nome artístico do cantor pernambucano José Farias Melo Imagem: Caio Falcão/Divulgação

Natural de Paulista, cidade da Região Metropolitana do Recife, José Farias Melo, ou simplesmente Zé Lord, tem 22 anos, mas foi alcançado pelo manguebeat a ponto de ser influenciado em sua carreira como forrozeiro.

Faço questão de resgatar essa essência [do manguebeat] no meu trabalho, valorizando a cultura local. Zé Lord

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Essa influência está traduzida em "De Volta à Origem", primeiro álbum do artista, que reúne clássicos do forró nordestino, com arranjos contemporâneos. O repertório inclui nomes como Gonzagão e Dominguinhos.

"Quis trazer essa mescla de forró raiz com estilizado, assim como Chico [Science], que também trouxe inovação para o som pernambucano", explica. No mundo da música, Zé Lord é cotado com promessa do forró nacional.

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