'Corpos podem ser livres': conheça o Forró Não-Mono, festa em SP

Por volta da 0h30 de um sábado, o DJ Tumurto comandava o forró de uma pista lotada, abrigada no fundo de um bar no centro de São Paulo.

Não era a primeira vez que ele se apresentava no Forró Não-Mono, evento cuja proposta é diferente dos forrós mais tradicionais. "Tem toda a diferença, né? É um forró no qual todos os tipos de corpos circulam mais à vontade. Eles podem ter corpos distintos do 'padrão', com todo mundo dançando", explica para Splash, em meio ao barulho que fazia na casa.

O local abriu às 21h, e quem já estava lá pôde aprender alguns passos com aulas de forró gratuitas. Aprendidas as lições, a luz abaixa e o lugar vai lotando, até quase não ter espaço para andar entre os pares, trios e outras possíveis formações de dançarinos.

Forró Não-Mono
Forró Não-Mono Imagem: Divulgação/Fabbinho

O Forró Não-Mono é encabeçado pela produtora, fundadora e repórter cinematográfica Ana Coutinho, 27. Inicialmente, ela fazia parte de um grupo no WhatsApp, formado por pessoas não monogâmicas forrozeiras, que decidiram se reunir.

Os primeiros encontros foram mais modestos, em parques da capital paulista, com uma caixinha de som. Os forrozeiros se encontravam, dançavam e, também, conversavam sobre não monogamia.

Foi então que Ana decidiu criar a festa Forró Não-Mono, num ambiente fechado e com edições mensais. A primeira festa aconteceu em dezembro de 2023. Todas as edições têm sido sucesso de público até agora.

Um ambiente seguro

A música e o ritmo são os mesmos de um forró tradicional. O que muda é o conceito. "É forró, é xote, xaxado. O mais importante, desde que criei o evento, era trazer um ambiente diferente, tratando sobre a cultura não mono e a não polarização, a não monogamia dos afetos", conta Ana em entrevista exclusiva para Splash.

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A ideia é que todo mundo se sinta confortável, inclusive pessoas em relacionamentos monogâmicos. Conforto este que Ana não sentia ao frequentar casas de forró tradicionais. "Era um ambiente super heteronormativo, super machista e onde eu me sentia muitas vezes mal com o meu corpo."

Dentro do Forró Não-Mono, eu queria que pessoas LGBTQIAP+ se sentissem confortáveis. [...] Em alguns espaços de forró tradicionais aqui de São Paulo [...] eu percebo que mulheres mais velhas, mulheres gordas ficam de canto, homens gordos, sejam cis ou trans, ficam também de canto. Ana Coutinho

Ana Coutinho (à direita), fundadora do Forró Não-Mono, dança no evento
Ana Coutinho (à direita), fundadora do Forró Não-Mono, dança no evento Imagem: Fabbinho

A criadora do Forró Não-Mono idealizou uma festa em que ninguém ficasse "de canto". "A não monogamia não se trata somente de relações que tem duas, ou de duas a mais pessoas, mas, sim, diferentes formatos de relação, diferentes formatos de pessoas, que possam estar ali sendo visibilizadas, acolhidas e tendo esse lugar de presença, esse lugar visível a outros públicos."

Para Ana, mais pessoas entram em contato com o tema da não monogamia através do forró. "Muitas pessoas que frequentam outras casas de forró, que nunca escutaram falar sobre o tema, que nunca entenderam o que era isso, começaram a perguntar, mas o que é 'não mono? O que é não monogamia?'"

Isso é muito importante para abrir questões de descolonizar afetos, de colocar em pauta o que é ser uma pessoa LGBTQIAP+, o que é abrir espaço para pessoas trans, o que é entender quais são os tipos e diferentes formatos de relação, [...] o que é não monogamia e o que é ser solteiro, que são coisas muito diferentes e que as pessoas costumam confundir demais. Ana Coutinho

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Liberdade

A festa tem um mantra: "onde o amor, o respeito e a liberdade têm vez". Grande parte do público é formado por mulheres e pessoas LGBT. Mas heterossexuais e monogâmicos também marcam presença. "É claro que, quando a gente abre um espaço e coloca o nome Forró Não-Mono, a gente quer que as pessoas tragam para as suas relações muito mais liberdade dentro desses afetos. Sejam elas pessoas monogâmicas que frequentam o rolê, mas que entendam um pouco que elas podem desestruturar algumas muralhas já intrínsecas dentro desses relacionamentos", diz Ana Coutinho.

O forró, a dança e a não monogamia têm muito disso, de a gente entender que corpos podem ser livres. Costumamos brincar que dentro do forró trocamos muito de par. A gente também pode trocar muito de par, seja ele um amigo, seja ele um parceiro, seja ele uma pessoa que você é apaixonado. Ana Coutinho

As mulheres que frequentam o evento relatam mais liberdade no espaço. Moise Miquely dos Santos Gonçalves diz para Splash que o Forró Não-Mono era "mais respeitador". Bissexual, ela afirma se sentir mais à vontade para tirar uma mulher para dançar, por exemplo.

O preconceito de duas mulheres dançaram juntas é menor. Meninos, geralmente, sofrem mais com isso, mas aqui é um ambiente seguro, um dos motivos [pelos quais] eu vim. Moise Miquely dos Santos Gonçalves

Público se diverte no Forró Não-Mono
Público se diverte no Forró Não-Mono Imagem: Divulgação/Fabbinho
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Rafaela Casa saiu de Santo André, no ABC Paulista, para o Forró Não-Mono. Heterossexual, ela diz que acha a "diversidade legal". "A proposta desse forró é ser livre, curtir a dança de todas as formas, sem ser casal. Curtir a dança em si. Se uma menina me chamar para dançar, eu vou sem problema nenhum", diz a analista de importação.

O termo Não-Mono pode assustar os mais conservadores, mas o evento é só uma festa para quem ama forró. Os mais dedicados e com melhor preparo físico podem emendar uma dança na outra, por horas.

No curto espaço de uma música, é difícil saber quem é monogâmico ou não monogâmico. A única certeza é o forró nos pés.

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