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Silvio Santos fará falta: morre maior comunicador da TV brasileira

Thales de Menezes

Colaboração para Splash, em São Paulo

17/08/2024 10h17Atualizada em 17/08/2024 11h50

Silvio Santos morreu neste sábado (17) aos 93 anos em decorrência de uma broncopneumonia após infecção por H1N1. Ele foi o maior nome da história da televisão brasileira por inúmeras razões. A mais impressionante é ter conseguido permanecer por dez horas consecutivas no ar aos domingos, durante muitos anos, e manter a liderança de audiência do começo ao fim do programa. Antes dele, ninguém imaginou que isso fosse possível. Depois, ninguém conseguiu igualar esse feito.

Nascido em 12 de dezembro de 1930, na Lapa carioca, o filho de imigrantes judeus Senor Abravanel começou a trabalhar como camelô ainda adolescente. Os elogios a sua voz o incentivaram a um teste na Rádio Guanabara, no qual foi aprovado. Mas o baixo salário oferecido o motivou a continuar como camelô. Nas ruas, demonstrava ter a resistência física e a lábia necessárias para depois passar horas e horas conversando com o público na TV.

Depois de servir o Exército, atravessou a década de 1950 com uma série de empreitadas empresariais. Passou por algumas rádios até ter a ideia de implantar um sistema de música para animar as viagens nas barcas que ligavam o Rio a Niterói. Logo ampliou os serviços nas barcas com bares e bingos que distribuíam prêmios.

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Veio então para São Paulo, trabalhar em rádio. Criou e publicou uma revista de passatempos, e em seguida montou uma caravana que reunia um pequeno grupo de artistas para apresentações nos finais de semana em circos e clubes. Em mais uma prova de sua vontade de atuar em várias frentes, chegou a trabalhar como ator em alguns teledramas da TV Paulista. E um de seus melhores amigos era o radialista Manuel de Nóbrega.

Em 1958, Nóbrega teve muitas dificuldades para manter em pé sua empresa, Baú da Felicidade, que era basicamente um serviço de carnês para vender brinquedos a prazo. Silvio assumiu a empresa, levantou os negócios e ampliou as vendas do carnê além dos brinquedos, passando a oferecer eletrodomésticos.

Ele comandou o seu primeiro programa em 1960, na TV Paulista, chamado Vamos Brincar de Forca. Depois de três anos passados em atrações variadas na emissora, conseguiu montar o Programa Silvio Santos, atração de variedades nas tardes de domingo. A TV Paulista se transformou na Globo em 1966. Numa ação impensável para os dias de hoje, regulados por contratos de exclusividade, Silvio tinha além do programa dominical uma atração nas quartas-feiras à noite na TV Tupi. Ali, seu maior sucesso foi a gincana Cidade Contra Cidade, atração que ele repetiria inúmeras vezes durante toda a carreira.

Silvio era líder de audiência, mas, na virada para os anos 1970, os diretores da Globo começaram a defender um novo padrão de qualidade na emissora, considerando o programa dominical popularesco demais. Nesse período, Silvio esteve várias vezes a ponto de deixar a Globo, mas permaneceu sustentado por uma vontade do dono da emissora, Roberto Marinho. A saída só veio em 1976, e na sequência, numa condição inusitada, o Programa Silvio Santos passou a ser exibido simultaneamente, mas em praças diferentes, por três emissoras: Tupi, Record e TVS, esta última criada pelo próprio apresentador.

Em 1980, a Tupi encerrou atividades, e as emissoras que transmitiam sua programação passaram para a TVs. No ano seguinte, Silvio formaria o SBT, Sistema Brasileiro de Televisão, do qual é proprietário até hoje. Desde então, ele seguiu a carreira de comunicador enquanto o Grupo Silvio Santos, formado a partir do Baú da Felicidade, crescia com muito sucesso em inúmeras atividades no mercado financeiro.

Ser dono da própria emissora só aumentou a liberdade para Silvio imprimir seu jeito debochado e informal de conduzir os programas de auditório. Ele manteve a ligação umbilical da TV com o Baú. Para participar de vários quadros que distribuíram prêmios, as pessoas precisavam estar com o Carnê do Baú em dia. Esse esquema de um carnê pago que depois tem todo o valor gasto revertido em compras de produtos em lojas é atualmente copiado descaradamente pelo Familhão, de Luciano Huck.

Na briga por audiência, Silvio implementou ideias revolucionárias. Sabendo da grande aderência dos telespectadores a vários programas da Globo, ele simplesmente desistiu de concorrer com a emissora carioca em alguns horários. Preencheu o tempo com produtos de custo zero, como exibir os desenhos já bem antigos do Pica-Pau. Um recurso que provocou muitas brincadeiras de pessoas que passaram a chamar o Pica-Pau de "o funcionário padrão do SBT".

Outra tática era justamente usar os melhores índices de audiência da concorrente a seu favor. Como a então chamada "novela das oito" era o grande hit da Globo, Silvio começou a exibir filmes mais atraentes ou programas de maior investimento que entravam no ar no exato momento em que o capítulo da novela terminava. Durante a exibição do folhetim rival, ele colocava no ar o onipresente Pica-Pau. Quando a Globo resolvia esticar o capítulo da novela, recurso que utilizou muitas vezes, o desenho animado simplesmente ganhava mais espaço e era sumariamente cortado no momento necessário.

Enquanto a Globo proibia seus artistas de participarem como convidados dos programas do SBT, Sílvio fazia questão de reverenciar a concorrente com uma de suas marcas registradas, o Troféu Imprensa. Transmitida em seu programa desde 1971 e chamada por Silvio de "o Oscar da TV" (utilizando como troféu uma estatueta igual à da premiação do cinema americano), a votação apontava os destaques anuais da televisão, e a maioria deles era da Globo.

Silvio se mostrou uma raposa no mundo televisivo. Licenciou vários programas estrangeiros para exibir aqui uma versão brasileira, mas muitas vezes simplesmente copiou o original estrangeiro, na maior cara de pau. Também ganhou fama como um implacável negociador de contratos. Tratava como um verdadeiro troféu ter tirado Jô Soares da Globo, onde era apenas um comediante, para então consagrar no SBT o formato dos talk shows na TV brasileira.

Sua relação com seus contratados sempre foi muito emotiva. Recentemente, mesmo afastado das câmeras da TV e também das funções administrativas do SBT, ele mantinha contratos generosos com nomes como Raul Gil e Ratinho, que atualmente alcançam índices de audiência muito abaixo dos de suas fases áureas. Manteve Hebe Camargo no ar por anos, mesmo diante de números baixos de ibope. Silvio também ficou declaradamente sentido com a saída de Gugu Liberato para a TV Record, há 15 anos, principalmente por considerar Gugu como uma criação sua e um promissor substituto para ser figura de proa no SBT.

Entre seus programas mais populares estavam o Topa Tudo por Dinheiro e o Show do Milhão. Em 2001, tentou negociar com uma empresa holandesa a vinda do Big Brother para o Brasil. Não conseguindo fechar o negócio, estreou a Casa dos Artistas, cópia do programa no qual todos os participantes eram famosos do entretenimento. A Globo, que tinha ganhado a disputa pelos direitos de criar o Big Brother Brasil, entrou com uma ação na Justiça para suspender a exibição do programa, mas o SBT conseguiu sair vitorioso no tribunal.

Durante décadas, Silvio lançou inúmeros nomes de destaque além de Gugu, como Sergio Mallandro, Wagner Montes, Cristina Rocha, Celso Portiolli e, sangue de seu sangue, a filha Patrícia Abravanel, que, desde o afastamento definitivo do pai, em 2022, apresenta sozinha a atual versão do Programa Silvio Santos, nas noites de domingo. Silvio tem seis filhas, de dois casamentos. Com Maria Aparecida Vieira, a Cidinha, teve sua primogênita, Cíntia, e adotou Sílvia. Com Iris Abravanel, com quem está casado até hoje, foi pai de Daniela, Patrícia, Rebeca e Renata.

Fora da TV, Silvio teve bons e maus momentos. Em 2001, foi enredo da escola de samba Tradição, no Sambódromo carioca. No mesmo ano, Patrícia foi sequestrada e libertada após o pai pagar resgate. O sequestrador matou dois policiais e acabou invadindo a casa de Silvio, que negociou com o marginal durante sete horas até que ele se entregasse.

O Grupo Silvio Santos teve alguns problemas financeiros nas últimas décadas, muitos relacionados a uma das empresas do grupo, o Banco Panamericano. É certo que sua nunca revelada fortuna sofreu baixas recentes. O SBT, como todas as emissoras de sinal aberto do país, passa por uma fase de muito menor faturamento do que já conseguiu anteriormente.

Mas talvez o maior revés de Silvio seja na política. Sempre se manteve muito próximo dos governantes, inclusive dedicando programas na TV à atuação do presidente e seus ministros, seja de que partido fossem, o que deu a ele a fama de bajulador do poder. Em 1988, anunciou que disputaria a Prefeitura de São Paulo pelo PFL, mas a candidatura não se concretizou. No ano seguinte, se lançou à Presidência da República pelo partido nanico PMB e chegou a liderar pesquisas, mas sua vontade foi frustrada porque o Tribunal Superior Eleitoral extinguiu o partido por irregularidades em convenções.

Silvio Santos é um gigante, o homem que ensinou o que é ser um comunicador na TV. Em toda a carreira, sua preocupação foi se aproximar das pessoas. Seu entusiasmo maior era com os quadros de seus programas que tinham a participação de gente da plateia. Estava alegre quando conversava com os outros. Fosse numa banca de camelô enaltecendo os produtos à mostra, fosse exibindo sua simpatia natural ao entrar na casa de milhões de telespectadores. Silvio Santos fará muita falta.

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