'Pandemônio': E se extremistas de direita e religiosos dominassem o poder?

Em cartaz no Rio até o final de setembro, a peça "Pandemônio" questiona como seria se extremistas de direita e fundamentalistas religiosos assumissem o poder. Produção traz o ator português Pedro Carvalho, conhecido por papéis em novelas da Globo, em seu primeiro projeto teatral no Brasil.

Mundo distópico, mas nem tanto

Na trama, dois personagens bem diferentes estão em um bunker e precisam aprender a conviver para sobreviver. Anton, interpretado por Pedro, é um pastor evangélico que não duvida de sua fé, mas questiona os métodos como a religião é empregada, enquanto Kika, vivida por Jessica Marques, é uma atriz negra, LGBT e comunista. O texto é de Alessandro Marson, um dos autores do remake de "Elas por Elas" (Globo)

Narrada de trás para frente, a peça acontece no Teatro Poeirinha, onde é possível simular que os espectadores estão junto dos atores em um bunker. E faz pensar também como seria um país dominado por pessoas que, dentre outras medidas, fecham todos os teatros, perseguem quem pensa diferente e trocam o nome de cidades que fazem menções a santos — São Paulo, por exemplo, se chamaria Nova Macedônia.

Realmente toca em pontos muito frágeis da sociedade, coisas que estão acontecendo não só no Brasil, mas no mundo inteiro. A gente fala que é uma peça que poderia ser num Brasil distópico, mas não é tão distópico assim... Existem grupos de extrema direita no mundo inteiro, no Brasil, na Itália, em Portugal, na Suécia, que afetam a sociedade, a economia e a maneira de pensar de novas gerações.
Pedro Carvalho

O ator, um homem LGBT que crê no catolicismo e no candomblé, vive um personagem bem diferente de si: um pastor conservador que apoiou o início da ditadura, mas parece se arrepender de ver como a religião é empregada. Para isso, procurou documentários sobre extremistas. "Vi documentários sobre o Hitler, de segregação religiosa, poder, ditadura. Tentei imprimir um pouco nesse personagem".

Mas Pedro pede ao público para não assistir ao espetáculo com o pensamento de que ele é um grande vilão, pois a história o apresenta como um "cara comum". "A gente acha que um vilão tem olhar de vilão, que um mocinho tem olhar de mocinho... o Breno, diretor, sempre falava que não podemos definir um personagem só como vilão ou mocinho. Todo mundo tem um pouquinho de vilão ou mocinho na vida real."

Jéssica Marques completa: "Ele é um pastor, ela é uma atriz, uma mulher negra. Ela questiona todo esse momento. E ele mesmo se questiona, enquanto uma figura religiosa, sobre o papel da religião. A gente pensa: será que ele se arrependeu ou apoia [a ditadura]?. Ele acredita mesmo nesse fanatismo religioso? Quem é esse pastor?"

Jessica Marques e Pedro Carvalho em "Pandemônio"
Jessica Marques e Pedro Carvalho em "Pandemônio" Imagem: Divulgação/Renata Duarte

Temas polêmicos

Há um ditado popular que afirma que "não se discute política e religião", mas a peça refuta isso — e sem medo de críticas. Ela, inclusive, passou por ataques nas redes sociais antes mesmo de estrear, ressalta o diretor, Breno Sanches. "Há a possibilidade realmente das discordâncias, ainda mais em momentos como o de hoje... É claro que a gente quer provocar, senão não montaria esse espetáculo, mas vale a pena o desafio. A gente chegou a ter uma onda de ataques pelas redes, pessoas que nem viram trabalho; quem ataca, na verdade, nem vai ao teatro, simplesmente quer atacar."

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O diretor conta que leu o texto há muitos anos, mas a peça só saiu do papel agora. "Li antes de o Bolsonaro assumir o poder, me parecia outra realidade, muito distópico. Depois, parecia politicamente mais pesado e, agora, ele nem é tão pesado. Nos acostumamos a ouvir absurdos. O texto [simula] um mundo que não existe, mas são reproduzidas falas que temos ouvido por aí, infelizmente, falas de perseguições às mulheres, aos artistas, a outras religiões".

Jéssica reforça que é uma peça densa, apesar de ter alívios cômicos, e que debate política e religiosidade — o que "talvez não seja do agrado de todos, então, pode gerar polêmica". Também, claro, debate questões ligadas ao racismo, LGBTfobia e os desafios de se viver de arte no país. "São questões que a gente tá vendo todos os dias no Brasil e no mundo inteiro... A arte tem esse papel de questionar, provocar mudanças e também aguçar a nossa reflexão".

SERVIÇO - "Pandemônio"

  • Data: até 29 de setembro
  • Horário: quinta, sexta e sábado, às 20h; domingo, às 19h
  • Local: Teatro Poeirinha (Rua São João Batista, 104 - Botafogo)
  • Ingressos (via Sympla): R$ 35 (meia) / R$ 70 (inteira)

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