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Japa, china, k-pop: O racismo amarelo é tema central do livro 'Impostora'

A capa de "A impostora" de R.F.Kuang e o X, local ideal para ser cancelado Imagem: Arte UOL

Camila Monteiro

Colaboração para Splash de São Paulo

05/09/2024 12h00

Existe uma grande chance de você, que está lendo essa matéria, conhecer alguém com ascendência asiática cujo apelido seja "japa", "china" e, se for mais novo, "k-pop" ou algum nome de idol famoso, como Jungkook ou Jimin. E assim, colocamos todos os asiáticos em uma mesma caixa sem pensar no quão perigoso — e errado — isso pode ser.

Hugo Katsuo, cineasta e mestre em cinema e audiovisual pelo PPGCine-UFF, que dirigiu o documentário "O Perigo Amarelo nos Dias Atuais" e, posteriormente, organizou um livro sobre o assunto, explicou a Splash que é importante pensar na história de cada povo e suas origens distintas, inclusive dentro dos próprios países ancestrais, suas relações com outros países leste-asiáticos e na história da imigração, que é muito diferente dependendo do povo em questão. "As histórias de imigração não são homogêneas, uns vieram para cá com pedaços de terra e outros trabalhavam em situação análoga à escravidão", completa o cineasta.

No entanto, para o público geral, é preciso ter sensibilidade de que nem todo mundo tem acesso aos contextos históricos e, por isso, é necessário falar de racialização amarela de forma mais generalizada. Existem diferenças enormes entre Coreia do Sul, Japão e China, mas o importante é criar uma consciência coletiva da racialização.

E isso é tudo que June (ou Juniper Song), protagonista do livro "Impostora: Yellowface" não possui: consciência racial. A escritora, que nunca fez o sucesso que gostaria, rouba o manuscrito da sua "amiga" bem sucedida Athena (essa sim, com ascendência asiática), que morreu de uma forma bem peculiar, e acaba finalmente tendo o tão desejado "best seller". O problema? Ela morre de medo de ser "cancelada" por não ser, de fato, amarela.

June é bastante racista, propositalmente, durante todo o livro, escrito de forma irônica e ácida por R.F. Kuang, em seu primeiro trabalho contemporâneo. A escritora, conhecida por "Babel" e "A Guerra da Papoula", traz sempre a racialização amarela como tema central dos seus trabalhos. E como Hugo explica, o termo "amarelo" não é homogêneo, jamais será uma coisa só.

"A protagonista projeta uma individualidade para um coletivo racial", explica Katsuo. "Até que ponto ela não olhou para a colega, que não era uma boa pessoa, e generalizou para todo mundo? É a dinâmica do universal e do outro; o homem branco responde por si, já as minorias respondem por todos". E isso de fato acontece no livro, com June criando uma série de estereótipos de todo um povo a partir da impressão que possui da mãe e da ex-amiga.

Vivenciamos muito isso ao apresentar k-pop ou k-dramas para pessoas "de fora". Com tanta repetição nas mídias, jornais, séries e livros sobre asiáticos, algumas características acabam se tornando uma "verdade universal". "Os asiáticos são sempre nerds, minoria modelo, bons em matemática... E de tanta repetição, todo mundo começa a acreditar que todos são assim" comenta Hugo.

Já o medo do cancelamento, que vira um fantasma — literal — na história, é algo bastante real: o medo de ser perseguida por detetives do (agora falecido) Twitter/X; ser alvo de brigas de fandoms, muito recorrentes no k-pop, por exemplo; ou na própria subcultura "bookstan", como são chamados os fãs de literatura atualmente.

Hugo explica que o medo do cancelamento não tem a ver com roubar os escritos de alguém que morreu, como June fez com Athena, mas, sim, sobre falar de uma narrativa que não é dela. É por isso que a autora cria um alter ego, para não ser cancelada por roubar o lugar de fala de outra pessoa. O cineasta explica, que ele mesmo não acredita nisso: "Você fica preso a falar sobre a sua realidade e as pessoas esquecem que, quando fazemos arte, a gente não está fazendo uma biografia e, sim, muitas vezes, ficção, e temos direito de sair desse lugar do eu".

Entretanto é preciso ter bom senso e muito cuidado ao contar uma história que não é a nossa. "O importante é a pessoa se localizar, saber onde ela está, sobre quem ela está falando, e não se ela pode ou não falar", complementa Hugo.

Assim como alguns familiares fazem piada quando apresentamos qualquer conteúdo asiático por serem "todos iguais", June não parece ter nenhum tipo de bom senso, e o seu desfecho na história é satisfatório (e meio macabro). Para quem? Aí vocês vão ter que ler o livro para saber.

O livro no Brasil foi publicado pela editora Intrínseca e traduzido por Younghui Qio.

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