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Em livro, João Barone relembra acidente de Herbert: 'Não foi culpa dele'

O baterista João Barone, que lança livro de memórias no qual conta história do início dos Paralamas Imagem: Marcio Farias/Divulgação

Adriana Del Ré

Colaboração para Splash, em São Paulo

06/09/2024 12h00Atualizada em 06/09/2024 16h22

A história dos Paralamas do Sucesso contada a partir do ponto de vista de quem está no banquinho da bateria. É assim que João Barone, baterista da célebre banda de rock brasileira, define seu livro de memórias '1, 2, 3, 4! - Contando o Tempo com Os Paralamas do Sucesso' (Ed. Máquina de Livros). Ele fará noite de autógrafos nesta sexta-feira (6), às 19h, na Livraria da Travessa, no Shopping Villa-Lobos, em São Paulo.

"Não estou fazendo uma biografia oficial da banda nem falando em nome da banda. Estou falando por mim", afirma Barone, em entrevista a Splash.

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É inevitável. A trajetória do músico — ou, ao menos, grande parte dela — e a dos Paralamas se confundem. Mas suas lembranças levam o leitor primeiro a anos anteriores: à sua infância, e a música permeando o cotidiano de sua família, o fascínio pelos Beatles (em especial pelo baterista Ringo Starr), a primeira vez que assumiu as baquetas, aos 10 anos, e, depois, já na juventude, o encontro inesperado com o baixista Bi Ribeiro e o guitarrista e vocalista Herbert Vianna.

Barone acabaria substituindo Vital Dias, então baterista do grupo — e que inspiraria o hit 'Vital e Sua Moto'. Dava-se ali o início da formação clássica dos Paralamas.

Após mais de 40 anos de Paralamas, o baterista relembra também da trajetória bem-sucedida de sua longeva banda. No entanto, não se furta de mexer na ferida de um dos momentos mais difíceis dessa história: o acidente aéreo de Herbert, em 2001, quando ele pilotava seu ultraleve, ao lado da mulher, Lucy, voltando de Angra dos Reis (RJ). Lucy morreu, e Herbert ficou paraplégico.

Capa do livro '1,2,3,4! Contando o tempo com Os Paralamas do Sucesso', de João Barone Imagem: Reprodução

Herbert renasceu depois de passar por um impressionante processo de recuperação, graças à música e à dedicação de seus amigos e família. É com esse capítulo trágico na jornada dos Paralamas, e que também marca um novo começo da banda, que Barone encerra seu livro — e deixa em aberto a ideia de um segundo livro, que daria conta dessa fase do renascimento do grupo até os dias de hoje.

Essa não é a primeira experiência de Barone como autor. O baterista já havia lançado livros e documentários sobre outro tema que lhe é caro, a Segunda Guerra Mundial, já que seu pai foi um ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

A seguir, leia trechos da entrevista.

Conhecemos a história dos Paralamas através de outros olhares, contada por outras pessoas ao longo dos anos. Como nasceu a ideia de você contar essa história de dentro dos Paralamas?

João Barone - Acho que me empolguei com a minha experiência modesta editando alguns livros. Eram livros de assuntos que não diziam respeito à música, à minha história com a banda: era essa minha tentativa de resgatar a participação no Brasil na Segunda Guerra, com esse lado afetuoso, porque meu pai era um ex-combatente.

Então, me imbuía um pouco dessa missão de tentar manter viva essa lembrança da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Meus livros geraram uma certa curiosidade: 'Você já escreveu sobre Segunda Guerra. Quando é que você vai escrever sobre os Paralamas, sobre música?'. Fui percebendo que havia até uma certa expectativa se e quando eu contaria um pouco essa história da música na minha vida.

Decidi por fazer uma tentativa de narrar essa história de um ponto de vista bem pessoal, não estou fazendo uma biografia oficial da banda nem falando em nome da banda. Fui escrevendo de uma forma muito resumida e muito abrupta, e veio a pandemia. E aí, sim, tive a oportunidade de me ater mais ao que eu estava escrevendo, tentar lembrar mais de passagens interessantes, e fiz desse ponto de vista de quem está no banquinho da bateria.

No livro, tem a passagem em que o núcleo do Paralamas começa a nascer. Bi foi apresentado a você quando ele estava indo atrás de uma bateria para uma apresentação que ele, Herbert e Vital fariam num festival de música. O Vital não foi encontrado e você tocou no lugar dele. Nesse primeiro momento, vocês logo se conectaram, não?

Barone - Pois é, essas encruzilhadas, essas coisas que a providência nos apresenta (risos). Foi um encontro às cegas, foi um negócio totalmente inusitado. Acho que a gente não estava preparado para aquilo, mas, ao mesmo tempo, se entregou de uma maneira tão intensa.

O primeiro encontro foi em 1981. A gente se reencontrou um ano depois para fazer outro show. O Vital foi e tocou algumas músicas. Depois, entrei na bateria e a gente tocou duas horas. Naquele momento, as coisas ficaram definidas. O Vital foi embora, e o Herbert e o Bi me chamaram e falaram: você está na banda agora. A gente desejava muito uma maneira de fazer que a música fosse a nossa vida mesmo.

O Herbert era aquele cara com background musical. Ele já sabia tocar bossa nova, sabia harmonias, exímio guitarrista, praticava muito o tempo todo em casa. E eu e o Bi somos músicos intuitivos. O Bi também não teve aula, ele começou a tocar baixo, porque o Herbert falou: 'Compra um baixo, vamos tocar junto'. Eu sonhava em ser baterista, mas daí para a realidade era muito diferente. E aí a gente foi sonhando junto e realizando sonhos juntos.

A banda sempre foi muito centrada. Naquela cena em que surgiram, vocês eram jovens e o sucesso veio relativamente rápido. Vocês podiam ter caído em drogas, bebidas, na tríade do rock (sexo, drogas e rock n'roll), mas a gente não tem essa referência dos Paralamas, de polêmicas. Isso se deve muito a esse foco do Herbert, e ele fazia com que vocês também ficassem nesse foco da música?

Barone - Acho que os Paralamas tinham aquela pecha de nerd. Na época, se chamava CDF. O Cazuza mesmo falava: 'Vocês parecem aqueles caras que sentam na primeira carteira'. O Herbert com aquela cara de intelectual, de óculos. E a gente tinha um pouco isso mesmo.

A gente tinha no camarim Toddynho, iogurte, não era Jack Daniel's, beber cerveja. A gente começou a beber no final dos anos 90 e de uma forma bem moderada. Agora estou percebendo que não falei muito a respeito disso no livro, sobre experiências com álcool e drogas. É uma coisa que não está associada aos Paralamas.

A gente nunca precisou disso para fazer nada do que a gente faz. Então, isso passou ao largo. Tivemos eventuais experiências com drogas, mas isso nunca foi uma determinante do nosso trabalho.

Estamos falando de 40 anos de Paralamas. O que você acha que mudou nos shows ao vivo ao longo desse período?

Barone - Lá atrás nos anos 1980, a nossa geração ajudou a desbravar um território muito inexplorado. A gente ajudou a consolidar o show business no Brasil, pelo lado operacional, pelo lado empresarial.

Eu me lembro que, naquela época, logo depois do Rock in Rio, a gente costumava, por exemplo, ir para o Sul e fazer uma turnê e ficava lá 15, 18, 20 dias viajando só naquela região. Depois, ia para o Nordeste e ficava lá 20 dias viajando, e aí ia para o Centro-Oeste, porque era impossível a gente ficar indo e voltando para esses lugares.

A gente ficava mais tempo longe de casa e mais tempo viajando. A gente tinha que levar o nosso equipamento. Tinha que ter qualidade na nossa performance e isso passava por esse lado técnico.

Com o tempo, a gente foi vendo que cada região no Brasil foi ficando mais independente e oferecendo melhores condições para que essa dinâmica acontecesse melhor. Você ir para região sul e ter um equipamento bom de áudio lá, para poder fazer o show e viabilizar os custos da produção.

Então, a gente viu como isso foi melhorando ao longo dessa exigência que as bandas de rock precisavam, e dali a pouco isso também virou o padrão para o pessoal do axé music, do sertanejo, do funk.

Você relata suas memórias em relação ao episódio do acidente com Herbert. Como foi rememorar esse momento doloroso?

Barone - Eu diria que tenho uma memória muito seletiva. Às vezes, deleto as coisas mais inconvenientes, as memórias mais tristes. Consigo, de alguma forma, me desapegar dessas coisas mais angustiantes. Tenho um mecanismo com o qual resolvo muito bem isso, mas, nesse caso, acho que tentei meio que passar um pouco para quem for ler o teor dessa tragédia, que foi muito forte.

A gente teve uma perda muito terrível, muito triste da Lucy, e o Herbert ali entre a vida e a morte. Acho que era importante tentar dar uma noção de tudo que a gente vivenciou nesse momento extremado. Foi doloroso.

Achei que era hora, principalmente, de esclarecer de uma vez por todas para as pessoas que até hoje acham que o Herbert estava fazendo alguma estripulia com avião que ele não estava fazendo isso. Não foi culpa do Herbert, foi uma falha do equipamento.

Ele tinha trocado por esse avião mais moderno, mais veloz e que não proporcionava, em nenhuma hipótese, fazer pirueta ou looping. Uma semana antes do acidente, voei com ele, a gente foi até Paraty almoçar e voltamos, ele super correto.

Então, fiz questão de fazer essa narrativa para que a gente compartilhasse essas experiências extremadas pelas quais a gente passou. Aí estou falando no coletivo, porque a gente dividiu muito isso. A gente já está há mais tempo com Herbert depois do acidente do que antes do acidente. E a gente se reconstruiu junto com ele.

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