Autora sul-coreana largou engenharia para escrever: 'Finalmente satisfeita'
A sul-coreana Hwang Bo-reum era engenheira de software na LG Electronics, quando decidiu mudar de profissão e se tornar escritora. A trajetória é similar a de Yeong-ju, protagonista do seu best seller, "Bem-Vindos à Livraria Hyunam-dong": cansou do seu trabalho estável e decidiu abrir uma livraria de bairro, daquelas pequenas e aconchegantes, na Coreia do Sul.
O livro de estreia de Bo-reum é um dos mais bem-sucedidos dentro do novo fenômeno "literatura de cura". Todos asiáticos e com personagens tentando se encontrar, o subgênero não é necessariamente autoajuda, mas toca em assuntos universais, não possui grandes altos e baixos e traz conforto ao leitor.
Com mais de 250 mil exemplares vendidos, o debut de Bo-reum já teve seus direitos comprados para mais de 20 países. Aqui no Brasil foi traduzido por Jae Hyung-woo e distribuído pela editora Intrínseca. A autora será uma das principais atrações da Bienal do Livro de São Paulo e conversou com Splash sobre seu sucesso, além de revelar sua música preferida da banda Keane, grupo que a autora é fã e chega a citar no livro.
Quando tu teve a tua primeira estante ocupando uma parede inteira? Ainda é um sonho meu.
Eu tinha trinta e poucos anos. No meu caso, não era bem um sonho; eu tinha muitos livros e precisava organizá-los. É que só descartar os livros que não leio não é suficiente para dar espaço para novos.
Min-jun é um personagem tão interessante, a gente sente a angústia das dúvidas e, ao mesmo tempo, a dedicação e prazer que ele tem em ser barista. Como ele foi criado? Tu já tinha idealizado para onde ele iria ou foi indo conforme a história se desenvolveu?
Quando Minj-un apareceu na história pela primeira vez, a ideia era que ele fosse apenas um barista. Porém, quanto mais eu escrevia sobre o passado desse personagem, mais eu aprendia sobre ele. A trajetória de Minj-un não era algo que eu tinha em mente desde o início, mas, sim, algo que foi tomando forma à medida que eu escrevia a história.
Uma das coisas mais difíceis na vida, e que o livro traz de maneira central, é que deveríamos pensar em três questões básicas: estou bem aqui? Consigo ser eu mesma e me amar onde estou? Me sinto valorizada aqui? Alinhar tudo isso, às vezes, é um processo doloroso. É algo que tu viveu ao migrar da engenharia para a vida de escritora?
Uma das razões pelas quais eu deixei meu trabalho como programadora foi porque eu não via sentido no que estava fazendo. Mesmo quando participei de um grande projeto, a sensação era de que eu estava sempre à margem. Saí da empresa procurando algo que eu ainda não sabia exatamente o que era, mas tinha certeza que queria fazer algo que eu desejasse, que fosse significativo. Depois, virei escritora, e agora me sinto satisfeita com a minha vida. Durante a minha transição de carreira, não fiz necessariamente essas três perguntas, mas foram perguntas semelhantes.
Yeong-ju pode parecer a personagem principal do livro, mas no fim entendemos que a própria livraria Hyunam-dong é a grande protagonista. Alguma livraria específica foi protagonista da tua trajetória?
Muitas pessoas me perguntam se eu me inspirei em alguma livraria para escrever "Bem-vindos à Livraria Hyunam-dong". Sempre que isso acontece, o meu desejo é que realmente existisse uma livraria assim, para que eu pudesse apresentá-la a vocês. Mas o fato é que a livraria Hyunam-dong é apenas fruto da minha imaginação. Depois que o livro foi publicado, eu visitei várias livrarias de bairro pela Coreia; antes disso, eu só tinha visitado uma ou outra. Foi lendo livros escritos pelos próprios donos de livrarias que eu aprendi sobre o trabalho que eles realizam e as dificuldades que enfrentam.
Para se reinventar, Yeong-ju começa a usar as redes sociais, criar clube do livro e movimentar o bairro. Hoje, todos nós precisamos fazer um pouco de tudo para manter a relevância, como tu encaras isso?
Se envolver com várias atividades foi a forma que Yeong-ju encontrou de ser vista e lembrada, de dizer: "Ei, estou aqui!". Seria ótimo se as pessoas percebessem a nossa existência sem precisarmos fazer nada, mas sabemos que não é assim que funciona. Por isso, acho que é um esforço necessário; se há uma livraria Hyunam-dong, ela precisa ser vista. Porém, o fato de sermos notados não significa que as pessoas virão até nós e ouvirão o que temos a dizer. Precisamos dizer o que valha a pena ouvir. Portanto, precisamos investir mais tempo e dedicação na criação de histórias que as pessoas queiram ouvir --no caso da livraria Hyunam-dong, investir mais tempo e dedicação na divulgação de livros ainda melhores.
O livro é um sucesso gigantesco no mundo inteiro, incluindo no Brasil. O quão surpreendente isso foi para ti? Imagino que o livro tenha te levado a vários lugares.
É algo realmente surpreendente! Embora seja uma história que eu escrevi, às vezes sinto que nem eu sei muito bem sobre ela. Fico curiosa para saber como essa história tem chegado aos leitores. E, como você disse, a livraria Hyunam-dong está me levando a vários países. Agora mesmo, enquanto escrevo esta resposta, estou voltando para casa depois de conhecer leitores na Espanha. E nos próximos dias será a vez do Brasil! Estou ansiosa para ouvir as histórias que os leitores brasileiros compartilharão.
Temos uma forte conexão com a livraria Hyunam-dong durante todo o livro, é como se estivéssemos lá, andando pelo bairro e indo tomar um café feito pelo Min-jun. O que te dá essa mesma sensação na tua vida? Existe algo que te inspira? Um autor? Um livro?
Também me sinto assim com os livros. Fico imersa na narrativa e simpatizo com os personagens. Para mim, esse é o charme do romance. É como se eu ficasse preocupada, triste e feliz com uma vida que obviamente nem é minha, embora pareça ser. No final, o que me inspira são as histórias e as pessoas que fazem parte delas, sejam reais ou fictícias. Gosto de observar pessoas ao meu redor, em livros ou em filmes, e refletir sobre as diferentes formas de ser e existir.
Qual a tua música preferida do Keane?
"This is The Last Time".
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