No Rock in Rio, Amaro Freitas leva jazz pós-moderno ao coração da floresta
Botar uma das grandes revelações do jazz mundial para tocar ao ar livre, no meio da tarde, para uma plateia de poucos mas interessadissimos ouvintes. Experiência que só mesmo o Rock in Rio poderia proporcionar, ao escalar o Amaro Freitas Trio para abrir o palco Global Village neste sábado (14). O show do pianista pernambucano entrega tudo que seus discos sugerem. E vai além. Acostumado a tocar com feras de renome planetário no estúdio, Amaro fica ainda mais à vontade no palco com os parceiros Sidiel Vieira (baixo acústico) e Rodrigo "Digão" Braz (bateria). A musicalidade do trio é formalmente alinhada ao chamado post-bop, derivado das experimentações de Miles Davis nos anos 1960. Porém, não da tradição norte-americana que emana o brilho do pianista, e sim da forma como ele a reboca para um universo distintamente brasileiro.
MATRIZES AFRO
Já no visual, Amaro, Jean e Hugo deixam claro de onde derivam sua potência. Os três sobem ao palco de branco, envergando guias no pescoço -- como se preparados para um ritual religioso afro-brasileiro.
SINCRONIA
Os improvisos e arrancadas nos arranjos parecem frenéticos, mas Amaro mantém o controle. Vai guiando o baixista e o baterista com olhares e sutis esgares dos lábios. Ao fim de cada número, os três sorriem satisfeitos.
VELOZES MAS NÃO FURIOSOS
O entrosamento entre os três fica evidente na jam supersônica de "Samba de César"; em "Baquaqua", repleta de sincopes e brincadeiras com o tempo, desembocando em passagens líricas; e nas dissonâncias de "Encantados", na qual a mão direita de Amaro parece brigar com a esquerda (ou vice-versa).
SUÍTE
O grande momento, até mesmo por sua duração, é a suite costurando as composições "Uyara", "Y'Y" e "Viva Naná". Uma viagem que começa suingada e vai se desintegrando, assumindo ares ambient. Sons da natureza, flautas e percussão (tocadas por Amaro) evocam o homenageado Naná Vasconcellos. A sensação é de estarmos mergulhando em uma profunda floresta. Retomando o tema principal com delicadeza, o trio conduz a plateia de volta à civilização, em passos lentos.
BARULHINHO BOM
É na citada suite que o famigerado "piano preparado" entra em ação. Aparatos ocultos sob a tampa do instrumento permitem criar drones e multiplicar o som das teclas, num efeito impressionante.
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