Carta misteriosa e corpo no porão: o crime real que inspirou 'Longlegs'
Giovanna Arruda
Colaboração para Splash
15/09/2024 05h30
Um crime que chocou os Estados Unidos na década de 1990 se tornou inspiração para um longa de terror lançado em agosto no Brasil. O diretor do filme "Longlegs" conta que um detalhe do assassinato de uma garota de seis anos serviu como base para a elaboração de um personagem satânico.
Atenção: o texto a seguir pode conter spoilers do filme 'Longlegs'
O crime na vida real
Garota de seis anos participava de competições mirins nos Estados Unidos. JonBenét Ramsey, nascida em agosto de 1990, era conhecida como "uma pequena celebridade local", de acordo com especial produzido pela rede norte-americana CNN. Vídeos e fotos retratam JonBenét posando para as imagens, cantando em shoppings e participando de diversos concursos de beleza, com incentivo de sua mãe Patricia.
No Natal de 1996, JonBenét foi declarada desaparecida. Segundo Patricia, uma nota de resgate estava na escada da casa na manhã em que a garota desapareceu. A carta, que tinha três páginas e era destinada ao pai da menina, John, exigia um pagamento de 118 mil dólares (cerca de R$ 666 mil na cotação atual) como resgate por JonBenét. "Fale com alguém sobre essa situação e sua filha será decapitada", dizia a carta.
Horas depois, o corpo da garota foi encontrado no porão da casa da família por John. O corpo de JonBenét estava envolto em uma coberta. À CNN, John contou que retirou a fita que estava na boca da filha e tentou desamarrar as mãos da menina. De acordo com a autópsia, JonBenét foi torturada, sofreu traumatismo craniano e foi morta por asfixia em um estrangulamento. A ferida na cabeça da garota tinha mais de 21 centímetros de comprimento.
Manchas de sangue na roupa íntima da garota indicam que JonBenét havia sofrido abuso sexual. O DNA realizado na amostra de sangue não teve resultado significativo, mas indicou que os pais de JonBenét não eram os donos do sangue encontrado no corpo da filha.
Autoridades que atenderam ao chamado disseram que não havia sinais de que algo suspeito havia acontecido na casa. "Não havia sinal de luta, nem sinal de entrada à força na casa. Não havia pegadas do lado de fora da casa", disse o policial local Fred Patterson em entrevista à CNN.
Família foi investigada pelo crime. Os pais de JonBenét foram os principais alvos no início da investigação, que buscava entender por qual motivo o sequestrador teria deixado um bilhete solicitando resgate sendo que o corpo da vítima estava na casa. Diversas teorias foram debatidas pelas autoridades, como a possibilidade de Patricia ter assassinado a filha e John ter encoberto o crime; ou de alguém ter entrado na casa por uma janela do porão. No entanto, nenhuma prisão ou descoberta concreta foram feitas por parte da polícia. Além de Patricia e John, o irmão de JonBenét também foi considerado suspeito de ter assassinado a garota. À época, Burke tinha apenas nove anos. Ao longo da investigação, Burke foi excluído da lista de suspeitos.
Crime segue em aberto. A polícia de Boulder, no Colorado, afirma que, desde o início das investigações, fez o possível para encontrar o assassino de JonBenét. "São mais de 21.016 dicas, cartas e e-mails e viagens a 19 estados para entrevistar ou falar com mais de 1.000 pessoas relacionadas a este crime", declararam as autoridades da cidade em nota oficial. "Esta investigação sempre foi e continuará a ser uma prioridade para o Departamento de Polícia de Boulder", declarou o chefe da polícia local Maris Herold.
Assassinato virou inspiração para filme
Longa acompanha a história de um serial killer considerado satânico. Longlegs é o apelido do assassino perseguido pela agente do FBI Lee Harker (Maika Monroe). Ao agir, Longlegs deixa pistas nas cenas dos crimes que somente Lee é capaz de decifrar. Além das mensagens deixadas pelo criminoso a cada novo cenário de crime, Lee tem perspicácia acima da média — sobrenatural, alguns diriam— para guiá-la na busca pelo assassino. "A investigação revela uma série de códigos e símbolos que não só determinam um padrão nos crimes como também podem envolver um acontecimento do passado de Lee", diz a crítica do colunista de Splash Roberto Sadovski.
Osgood Perkins, responsável pela direção de Longlegs, contou que um detalhe em particular da história real o inspirou para o filme. Em entrevista ao perfil oficial do filme no Instagram, Perkins contou que a inspiração para a história de terror levada ao cinema foi o caso envolvendo JonBenét Ramsey. O crime contra JonBenét aconteceu próximo ao Natal e, como presente à filha, seus pais haviam encomendado uma boneca da garota em tamanho real, que estava vestida como a menina e guardada em uma caixa de papelão no porão.
Sua filha era uma boneca que eles vestiam e eles tinham uma boneca de sua filha que já era uma boneca. Então ela é assassinada dessa forma louca, e as bonecas dormindo no porão... Alguma coisa nisso tudo começou a fazer sentido para mim.
Osgood Perkins sobre o crime contra JonBenét Ramsey
Envolvimento de bonecas foi levado para as telas. Um dos rituais seguidos por Longlegs é a fabricação de bonecas que serão enviadas para suas vítimas. Feitas de porcelana, as bonecas levavam consigo uma espécie de "essência satânica", que fariam com que as famílias escolhidas por Longlegs cometessem crimes a mando do assassino.
Visual do personagem principal permaneceu em segredo até o lançamento do filme. Para manter o suspense e surpreender ainda mais os espectadores, o rosto de Longlegs não foi divulgado nos trailers oficiais, sendo revelado somente na estreia do longa, que aconteceu em julho nos Estados Unidos e em agosto no Brasil. No filme, o rosto de Longlegs também demora a aparecer e, até então, somente sua voz é ouvida.
Em entrevista à revista New Yorker, Nicolas Cage comentou sobre Longlegs. "Eu me sinto abençoado por ter tido a chance de interpretar uma variedade eclética de personagens —e particularmente Longlegs, que não se parece em nada com ninguém que interpretei antes", declarou. No entanto, Cage explicou que não pretende interpretar outro serial killer.
Eu sei que o telefone vai tocar sem parar para fazer serial killers depois de Longlegs. E não é isso o que eu gosto de fazer. Eu não gosto de violência. Eu não quero interpretar pessoas que estão machucando outras pessoas.
Nicolas Cage, à revista New Yorker
Longa teve boa aceitação do público e arrecadou milhões de dólares somente nos Estados Unidos. No Brasil, o filme ficou atrás somente de "É assim que acaba" e "Deadpool e Wolverine". Longlegs segue em cartaz em diversos cinemas do país.