Comediante cega denuncia importunação sexual em meio a show: 'Humilhada'
Um vídeo nas redes sociais mostra o momento em que a comediante Tatá Mendonça, 31, supostamente sofre importunação sexual de um colega em cima do palco.
O também comediante e editor de vídeo Cadu Moura a toca nas costas e, depois, desce a mão. A Splash, ele disse que não vai se pronunciar publicamente neste momento.
O que aconteceu
A apresentação aconteceu no sábado (14), em São Paulo. "Estou incrédula que passei por isso, incrédula que a pessoa possa fazer isso", disse Tatá em conversa com Splash. Ela não citou o nome de Cadu em nenhum momento.
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Tatá Mendonça tem deficiência visual. Ela está no elenco do especial Falas de Acesso, que vai ser exibido na Globo na próxima segunda-feira (23).
No dia do episódio, ela tinha uma apresentação solo em uma casa de shows, com duas sessões esgotadas, e atendeu ao pedido do seu editor de vídeos para abrir o show. "Ele edita [vídeos] para mim há um ano e meio. Meu contato com ele é só por telefone, não sou próxima. Nas duas primeiras vezes, ele foi com a mulher dele e foi tudo bem."
Ao final da primeira sessão, todo o elenco subiu ao palco. Por ser cega, Tatá está acostumada a que as pessoas a toquem para que ela saiba que estão ao seu lado.
E aí ele pôs a mão... Quando ele desceu a mão, eu já engoli seco. Foi quando ele começou a pegar de fato, como se não tivesse ninguém ali. E eu sou extremamente tímida, eu era atleta paralímpica e saí do esporte por conta dos assédios. E aí ele começou a apertar e balançar. Tatá Mendonça
Como não ouviu ninguém se manifestar, Tatá teve esperança que fosse uma amiga que tivesse lhe tocando e pedindo silêncio à plateia, com o intuito de fazer graça. "Como que 150 pessoas à minha volta não estão vendo isso? Não é possível. Eu pensei que tinha vindo uma menina e estava fazendo sinal para a plateia ficar quieta, brincando comigo, sabe?"
Quando eu peguei a mão que senti que era ele. Nossa, acabou. Acabou para mim. Minha vontade era, sei lá... Gritar.
No vídeo, é possível ver que Tatá afasta a mão de Cadu. "Eu catei a mão dele, apertei e fui colocando para o lado. Só que assim, aí já desfaleci. A alma já tinha ido embora do corpo. [Aí] eu até fui bruta. Porque na hora que o outro menino pegou e foi tocar em mim. Eu falei, 'que tanto pega em mim. Que coisa'."
Mesmo assim, ela ainda fez a outra sessão. "Eu pensei: 'O público não merece'. Você já imaginou se tem uma menina ali que já foi abusada, que está na minha fila, vê um escândalo desse e pensa: 'Putz, eu vim aqui para me distrair'. Eu pensei isso, sabe?"
A comediante afirmou que se sentiu muito triste. "Eu acho que agora eu estou um pouco mais forte porque o vídeo fala por mim, né? Eu acho que o pior sentimento é a gente ter que ficar falando, se reafirmando. Com o vídeo, as pessoas veem. Eu sou uma pessoa cega total. As pessoas que me disseram: 'Fique tranquila'. Então isso me deu muita força."
Mas e quem não tem o vídeo? Eu estou chocada. É uma violência acima de tudo com o meu trabalho, sabe? [...] Eu fui para casa do mesmo jeito que toda mulher [que sofreu importunação sexual] vai. Destruída, humilhada, porque é a pior humilhação do mundo. Tatá Mendonça
Na segunda-feira (16), Tatá foi até a Delegacia da Pessoa com Deficiência, em São Paulo, e registrou boletim de ocorrência. Ela anexou o vídeo à denúncia.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, o caso foi registrado como importunação sexual na Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência e encaminhado ao 92º Distrito Policial (Parque Santo Antônio). "A unidade instaurou um inquérito policial e trabalha para esclarecer os fatos", informa a nota da SSP.
Tatá diz que sofre com o capacitismo e o machismo. "Primeiro que eu sou uma pessoa cega falando sobre sexualidade no palco, o que ninguém nunca viu. Então isso não é sobre só o texto em si. A nossa sexualidade é vista como proibida, como ruim, como se a gente não fosse vista como mulher."
Eu sou artista, eu também tenho o direito de falar sobre sexualidade, eu também tenho o direito de falar sobre assuntos recorrentes. Eu também tenho os mesmos direitos e melhor ainda, eu tenho a capacidade de fazer melhor do que muita gente que enxerga na comédia. Tatá Mendonça
Essa não é a primeira vez que ela teria sofrido importunação. "Na hora da foto eu tenho que fazer uma redoma em volta de mim e, mesmo assim, eu sou assediada. [...] As pessoas não têm noção de que precisam cuidar, de que não podem tirar o olho de cima da gente [pessoas com deficiência]. Mas não pelo motivo de que a gente é coitado, mas porque têm monstros em volta."
Por que eu não posso falar sobre sexualidade? Antigamente, o cego era sujo, a sociedade falava que a gente tinha sexualidade aflorada, como se a gente fosse um bicho. E quem é que tem, né? Será que são as pessoas que veem nosso corpo como um objeto?
Ela também acha que há uma hipocrisia machista na comédia. "A mulher não poder falar sobre sexualidade na internet que vira um inferno na nossa vida. Os comediantes que defendem piada são os mesmos que julgam a mulher. Eu sou artista, me respeite."
Splash entrou em contato com Cadu, que respondeu: "Estamos buscando entender tudo o que aconteceu ainda, então, nesse momento, vou preferir não me pronunciar publicamente".