'Volta por Cima': Adanilo exalta representação indígena e poder das novelas
Bruno Silvano
Colaboração para Splash, em São Paulo
06/10/2024 12h00
Após fazer sua estreia em novelas como Deocleciano, na primeira fase do remake de "Renascer" (Globo), Adanilo já está de volta às telinhas como Sidney, na nova trama das sete, "Volta por Cima". Em papo com Splash, o ator falou sobre a importância de ocupar esses espaços e fazer trabalhos que representem a cultura indígena e manauara, além de exaltar a importância política das telenovelas.
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Quem é Sidney em 'Volta por Cima'?
Sidney é um dos motoristas da Viação Formosa. É gente boa, divertido e o melhor amigo de Jão (Fabrício Boliveira), com quem toca em uma roda de samba, onde se divertem e fazem um extra. Eles também estão em um grupo de bate-bolas, levando o barracão com garra e amor.
Todos os dias eu estou indo para a Globo gravar alguma cena que discute masculinidade. E eu, quanto homem, é muito importante estar fazendo isso [...] Acho que nisso a novela vai acertar demais. Vai explicitar. Já não está deixando subentendido, sabe? A novela está a fim de explicitar mesmo essas situações, esses comportamentos. E o personagem do Sidney, especificamente, é para falar disso. O do Jão também, mas o Sidney é um personagem que é, em certa medida, muito mais vacilão, muito mais imaturo e, o que é bonito, disposto a aprender também. Ou seja, a gente vai aprender com ele. Adanilo
Na novela, Sidney, que é meio vacilão, vai tentar se aproximar de Cida (Juliana Alves). "Bota a gente para viver um romance, nós, quanto pessoa do Norte, indígena, da amazônica, quer viver romances também. O trelelê de Sidney é com Cida e está sendo maravilhoso, que atriz incrível que é Juliana Alves, de uma empatia, de uma dedicação, de verdade. Eu sei que é muito recorrente nessas entrevistas a gente elogiar nossos parceiros, e isso tem um fundo de verdade, porque geralmente encontramos pessoas muito incríveis para trabalhar".
Apesar de viver um motorista de ônibus na ficção, Adanilo conta que não tem habilitação para dirigir esse veículo na vida real. "Só dirijo carro de pequeno porte e moto. E não deu tempo de tirar minha habilitação para dirigir ônibus, mas tivemos uma preparação muito legal, muito divertida, inclusive. Tivemos contato com motoristas daqui do Rio de Janeiro. E nós fomos para uma empresa de transporte público para entender como era o dia a dia, para saber como funcionava tudo. Então, essa parte teórica, temos bastante fundamentada".
Apesar disso, o ator traz experiências de sua próprio vida para o personagem, da época em que morava ao lado de um ponto de ônibus na periferia de Manaus. "Eu peguei muito transporte público a minha vida inteira, ainda faço uso de transporte público. Aqui no Rio de Janeiro, eu tenho usado muito metrô, mas usei ônibus a minha vida inteira [...] Lembro, principalmente, dessa intimidade entre passageiros e motoristas".
Na época em que eu era adolescente, eu sempre estudei no meu bairro, no ensino fundamental. No ensino médio, eu fui estudar no centro da cidade. Para mim, foi uma expansão de consciência. Ter que pegar o ônibus de segunda a sexta, todos os dias. E como os horários são muito repetidos, você sempre pega no mesmo horário para ir para a escola, eram os mesmos motoristas. Eu lembro de eu e meus colegas de escola irmos sentados ali na frente, conversando muito com o motorista, ouvindo a história dele e ele ouvindo a nossa. E acho que a nossa novela vai ter muito isso. Adanilo
O apego com 'Renascer'
Adanilo fez sucesso na primeira fase de "Renascer" vivendo Deocleciano, personagem defendido por Jackson Antunes na segunda fase da trama. "A minha experiência com 'Renascer' foi muito bonita. A projeção que uma novela das nove te dá é gigantesca. Sinceramente, eu nem tinha noção. Hoje eu chego em Manaus, e muita gente vem me falar assim: 'Caraca, que legal que tem um manauara lá, fazendo uma novela das nove'".
Ele diz que ainda estava muito apegado à novela anterior quando começou a preparação para "Volta por Cima". "Eu fiz a primeira fase da novela, foram 13 capítulos somente e, no entanto, até agora eu pensava muito em 'Renascer', eu comecei a participar de 'Volta por Cima ainda com a cabeça em 'Renascer', de tão forte que foi esse projeto. Então foi um processo de desapegar, de ir caminhando para desenvolver outras relações, para se apegar a outras relações".
Emendando sua segunda novela no mesmo ano, o artista conta que desejou isso. "Estou achando muito legal poder voltar à Rede Globo e fazer um papel, agora um papel muito diferente. Queria experimentar outras coisas, poder mostrar outras facetas minhas. E acho que isso vai acontecer, porque é uma novela das sete. Só essa mudança de horários entre novelas já é uma diferença. Eu mesmo me senti impactado chegando, saindo da novela das nove e vindo para a das sete".
Apesar de ter construído uma carreira sólida no teatro e no cinema e apenas recentemente ter migrado para as novelas, Adanilo exalta o gênero televisivo tão popular no país. "Se eu não acreditar que produto audiovisual com maior acessibilidade no país não tem que ser político, eu desisto da profissão. Cada escolha de nossa vida é política, e a construção de uma novela é muito política, de fato. Imagina você ter acesso a milhões de casas, você está ajudando a construir um pensamento de um país inteiro. Isso é muito sério, inclusive".
Eu entendo o que as pessoas querem dizer quando acham que uma novela pode ser menor, porque, às vezes, dependendo do assunto, uma novela precisa ter um tom, um cunho muito mais popular e dialogar com diversas classes, diversas origens, mas isso não diminui nada. Eu não acho que uma novela é menor por isso, jamais. Não tem nada a ver. Adanilo
Representatividade
Nascido em Manaus, Adanilo pediu para Claudia Souto, autora de "Volta por Cima", para que seu personagem fosse amazonense. "O textos continuam falando a mesma coisa, mas às vezes entra alguma coisa, uma gíria nossa, um comportamento, uma farinha, por exemplo, tem um almoço dentro da empresa, de repente eu levo a minha farinha e já coloco aqui. Ele usa uma camisa de um time lá do Amazonas. São detalhes que eu acho que vai ser muito legal para as pessoas do Amazonas [...] E a proposta veio na verdade quase que naturalmente. Eu não tinha programado muito. Eu cheguei no primeiro dia de gravação, ensaiando ali com o Fabrício [Boliveira]. Chegou a hora de rodar. Eu fiz uma cena e veio uma gíria manauara".
Adanilo avalia que apesar de já haver algumas pessoas ocupando esse papel, a representação de pessoas indígenas ainda pode melhorar. "Zahy Tentehar, uma mulher indígena, é a ganhadora do prêmio de Melhor Atriz, do Prêmio Shell de Teatro, então, eu acho que está melhorando, óbvio, vou pedir para melhorar sempre, porque tem uma disparidade ainda, em números mesmo. É importante que autoras, como a Claudia Souto, e a direção artística do André Câmara, por exemplo, estejam atentos e olhem para isso, mas que outras pessoas também olhem".
Um dos desejos de Adanilo é ver uma pessoa indígena em papel importante, e não necessariamente ligado à raça, na novela das nove. "Uma das bandeiras, eu sinto, minha e dos meus amigos, atores e atrizes indígenas, é essa. Hoje, a gente luta para desestigmatizar a nossa imagem, para que não nos associem sempre a uma ideia única de pessoas originárias, que é uma falácia, uma mentira. Sempre fomos muito diversos, sempre tivemos vários tipos de cultura dentro do nosso território, e hoje lutamos para ver pessoas indígenas fazendo um empresário da novela das nove".
Quando uma pessoa indígena estiver protagonizando uma história que não necessariamente tem a ver com a raça dela, e uma história supostamente cotidiana, acho que aí a gente começa a falar sobre vitória, sei lá, algo parecido com isso. Vimos isso acontecer com as pessoas pretas não tem muito tempo. Então, imagino que está acontecendo e vai acontecer cada vez mais. Estou aqui para isso, vou lutar por isso. Adanilo