Flip: 'O Brasil foi pensado como um projeto de exclusão', diz Luiz Simas
As ruas do centro histórico de Paraty (RJ) já estão tomadas pelo público da 22ª Flip. A festa literária começou na noite desta quarta-feira (9) com uma "breve aula" dedicada ao escritor João do Rio, o grande homenageado da edição. O evento de abertura foi conduzido pelo professor e escritor Luiz Antonio Simas.
João do Rio, pseudônimo do jornalista Paulo Barreto, foi um dos cronistas mais relevantes do Brasil no início do século 20. Nascido em 1881, ele se dedicou ao jornalismo e à crônica para registrar a vida urbana. O autor usou a literatura para explorar diversas características do Rio de Janeiro (e do Brasil).
Ele teve um olhar crítico em relação à elite da época, que tentava reproduzir alguns costumes europeus antes mesmo de reconhecer a própria identidade. O trabalho contrastava com o comportamento de outros autores da época, que exaltavam um suposto progresso vindo do outro lado do oceano Atlântico.
Segundo Luiz Antonio Simas, em fala durante a primeira mesa da Flip, o Brasil que o jornalista se preocupou em reportar colocou em prática um projeto bem-sucedido de exclusão, desigualdade e concentração de riqueza.
Nós fomos projetados para excluir. Fomos projetados como um Estado colonial que queria que, no fim das contas, o Brasil fosse o país de branquelos azedos, como eu, e que atacou permanentemente os corpos não brancos.
O olhar para o cotidiano não impediu que João do Rio também reproduzisse preconceitos. Apesar disso, ele retratou temas que permanecem em pauta, a exemplo de religiões afro-brasileiras, direito das mulheres e busca por melhores condições de trabalho.
São dilemas de um Brasil que estão aflorados. De um Brasil onde a gente chama de intolerância religiosa o que deveria ser chamado de racismo religioso, porque opera na desqualificação dos saberes das espiritualidades e das encantarias que não são brancas. Porque, no fim das contas, ninguém quer ser tolerado. Eu quero exercer uma plena liberdade à minha maneira de encantar o mundo. Luiz Antonio Simas
Pioneiro
João do Rio foi um dos pioneiros do jornalismo literário no país. Ele misturava reportagem, ficção, literatura e fatos. "João do Rio, como um dos pioneiros, foi além: registrou a história de uma cidade que se transformava, e não é exagero dizer que ele fez uma etnografia no início do século", contou a curadora da Flip Ana Lima Cecilio.
João do Rio vivia, na sua função de jornalista, entre o fascínio e o temor. Que cidade era essa? E João do Rio transforma o temor em um exercício de investigação. Ele era um sujeito que vivia na encruzilhada da modernidade do Rio de Janeiro [...] Ele temia o desaparecimento de várias profissões. De certa forma, ele imaginava que uma cidade estava morrendo, para que uma outra pudesse nascer. Luiz Antonio Simas
Homenagem também é uma tentativa da organização de recuperar a memória do autor, que foi se perdendo ao longo do tempo e teve o centenário de morte ignorado em 2021, conforme publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo.
22ª Flip
A 22ª Flip é realizada de 9 a 13 de outubro, em Paraty, no Rio de Janeiro. Ana Lima Cecílio, curadora da Flip, destacou a importância do trabalho coletivo durante discurso de abertura da festa. Ela também anunciou a exibição de imagens raras do enterro de João do Rio, que morreu em 1921, resultado do trabalho de pesquisa de João Venâncio. "É muito comovente. A gente consegue ter noção do que é uma cidade emocionada com a morte de um escritor", comentou a curadora.
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Quero receberFelipe Neto é um dos destaques da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) 2024. O youtuber participará do debate "Como enfrentar o ódio", na sexta-feira (11), ao lado da jornalista Patrícia Campos Mello. A mesa discutirá o "mecanismo do ódio" nas redes sociais e na sociedade, abordando questões como a polarização política e o sistema que se alimenta desse sentimento.
*O repórter viajou a convite do Instituto CCR, patrocinador e parceiro de mobilidade da Flip.
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