Flip enfrenta o ódio, debate direitos LGBTQIA+ e mostra caminhos da crônica
A 22ª Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) reuniu cerca de 30 mil pessoas na cidade, de acordo com estimativas da Polícia Militar e da Prefeitura de Paraty. O evento, que chegou ao fim neste domingo (13), contribuiu para uma taxa de ocupação de 95% das pousadas.
Ao longo de cinco dias, as ruas do centro histórico foram tomadas por debates a respeito dos desastres climáticos, da luta por direitos e a busca por uma sociedade mais conectada com a leitura.
O enfrentamento ao ódio, dentro e fora das redes sociais, também permeou todos os cantos da festa.
Uma aula sobre João do Rio
O primeiro dia de evento foi marcado por uma aula dedicada ao escritor João do Rio, o grande homenageado da edição. A abertura foi conduzida pelo professor e escritor Luiz Antonio Simas.
João do Rio, pseudônimo do jornalista Paulo Barreto, foi um dos cronistas mais relevantes do Brasil no início do século 20. Ele tinha um olhar crítico em relação à elite da época, que tentava reproduzir alguns costumes europeus antes mesmo de reconhecer a própria identidade.
Segundo Luiz Antonio Simas, em fala durante a primeira mesa da Flip, o Brasil que o jornalista se preocupou em reportar colocou em prática um projeto bem-sucedido de "exclusão, desigualdade e concentração de riqueza".
Nós fomos projetados para excluir. Fomos projetados como um Estado colonial que queria que, no fim das contas, o Brasil fosse o país de branquelos azedos, como eu, e que atacou permanentemente os corpos não brancos.
Cacique Raoni cancela participação
O líder indígena, que era um dos mais esperados pelo público, cancelou a participação na festa por recomendação médica. O anúncio foi feito dois dias antes da realização da mesa "Saber o passado, mirar o futuro", que aconteceu apenas com a presença de Txai Suruí. Em contato com Splash, o Instituto Raoni atualizou o estado de saúde dele.
Devido ao alto número de compromissos, ele teve uma queda de imunidade que o levou a ter uma virose. Seus exames também apresentaram alteração nos rins. Por orientação médica, o cacique passará os próximos dias de repouso em casa. Ele seguirá realizando exames para investigar a causa da alteração renal e buscar o tratamento adequado.
Netflix invadiu as ruas de Paraty
A plataforma levou o universo do streaming à Flip. A Netflix celebrou as grandes narrativas e as inúmeras formas de contá-las durante todos os dias do evento. Um dos destaques foi a mesa que debateu os desafios de adaptar o livro "Cem Anos de Solidão", de Gabriel García Márquez, para a série inédita.
A produção, que é descrita como "uma das produções audiovisuais mais ambiciosas da América Latina", estreia no dia 11 de dezembro de 2024.
A conversa, que aconteceu no sábado (12), na Casa de Cultura de Paraty, contou com a participação das roteiristas Natalia Santa e Maria Camila Bruges e do vice-presidente de conteúdo da Netflix na América Latina, Francisco Ramos.
Felipe Neto e o debate: como enfrentar o ódio?
O youtuber, que acaba de lançar o livro "Como Enfrentar o Ódio" (Companhia das Letras), participou da 9ª mesa de debate ao lado da jornalista Patrícia Campos Mello. O evento lotou o auditório da matriz e reuniu um público de todas as idades.
Sem a literatura todo mundo fica suscetível a discursos de grandes líderes carismáticos de extrema-direita neofacista. Porque sem a literatura a gente não cria uma visão de mundo que está preparada para esses devaneios criminosos desses cidadãos, então enquanto a gente continuar com 86% da população sem comprar livros, a gente também vai encontrar muitos desafios para vencer Bolsonaros da vida. Felipe Neto
O livro "Como Enfrentar o Ódio" aborda a tomada de consciência política do empresário. Ele discute o papel do ódio na própria vida, primeiro como elemento que ajudou a impulsionar a carreira e, depois, como uma ferramenta de que se tornou vítima —em especial durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O anúncio da participação de Felipe Neto na 22ª Flip, em setembro, dividiu opiniões dentro e fora das redes sociais. Em conversa exclusiva com Splash, ele afirmou que as críticas o levaram de volta ao início da carreira no YouTube, quando a plataforma de vídeos ainda era incipiente no Brasil.
Quando essas pessoas tiverem a oportunidade de me conhecer, de ler o livro, de conhecer o Clube do Livro FN, ver a ação da Bienal, em 2019, e quem sabe de irem à Flip no dia e conversarem comigo, olhar olho no olho, vão entender.
Xico Sá e os desafios da crônica
A crônica foi o tema central da mesa "Um Passo Depois do Outro" na Casa CCR. O tema do debate, que contou com as participações de Xico Sá e Gaía Passarelli, foi inspirado na obra de João do Rio.
Escritor falou dos desafios de produzir crônicas diante de um mundo cada vez mais digitalizado. "Diante da lacração, o cronista sofreu muito. Quanto mais folclórico [o tema do texto], mais longe está da lacração."
Você se sente muito fora do mundo quando insiste numa crônica, sei lá, com as características do Rubem Braga, ou algo mais lírico, no geral. Aquele olhar miúdo sobre a realidade, só uma janela no meio daquela selvageria toda. Xico Sá
Direitos LGBTQIA+ no centro do debate
Os direitos da comunidade LGBTQIA+ foram debatidos pelo advogado Renan Quinalha e a cantora Alice Caymmi. A conversa aconteceu na Casa Edições Sesc. O advogado falou da importância do livro "Direitos LGBTI+ no Brasil: Novos Rumos da Proteção Jurídica" na busca pela proteção de direitos.
Os direitos LGBTQIA+, assim como quaisquer outros direitos, são importantes demais para ficar nas mãos dos advogados, dos juristas, dos juízes e dos promotores. A ideia desse livro é circular por um público mais amplo.
Uma última conversa
As escritoras Carla Madeira, Silvana Tavano e Mariana Salomão Carrara comandaram a mesa que marcou o encerramento da festa literária, neste domingo (13), dentro do auditório da matriz. Elas falaram sobre a produção de ficção para um auditório lotado.
É sempre um pouco enigmático ou fragmentado como a gente começa uma história. Eu começo os meus livros sem saber nada. A história vai acontecendo a partir do momento que eu topo escrever e ouvir. E percebo que isso acontece sempre a partir de algum acontecimento que me traz um monte de perguntas, como: o que aconteceu antes? O que vai acontecer depois? Carla Madeira
*O repórter viajou a convite do Instituto CCR, patrocinador e parceiro de mobilidade da Flip