Regina Casé diz receber melhores papéis aos 70: 'Não me viam como mocinha'
Regina Casé, 70, volta aos domingos com uma missão: fazer o telespectador rir no fim de noite, logo após as notícias do Fantástico. A sitcom "Tô Nessa!" marca o retorno da atriz e apresentadora à grade da Globo com uma personagem popular, assim como tantas outras de sua bem-sucedida carreira.
Comecei com Renato Aragão e Chico Anysio, depois fui para a TV Pirata e fui comendo pelas beiradas, cavando meu espaço e inventando até chegar aqui. Regina Casé
Melhores papéis chegaram na maturidade
Mirinda é a matriarca de uma família formada por mulheres - três filhas e uma neta - que correm atrás de pagar os boletos em dia. A cada episódio, ela experimenta uma ocupação diferente. A realidade dessa família pode causar identificação dos telespectadores, acredita Regina, que recebe relatos de fãs que se reconhecessem em suas personagens.
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Em um dos episódios, por exemplo, Mirinda se aventura como figurante de produções audiovisuais, mas só é escalada para interpretar mulheres pobres. "Tem uma hora que ela fala: 'Meu sonho é fazer uma rica. Só faço pobre, ninguém me dá uma rica'. Aí, dão a oportunidade e ela faz uma rica passeando por sua mansão. Ela brinca: 'Aqui é a biblioteca de papai, aqui é a pinacoteca de mamãe, com as obras de arte'".
E, Regina, conhecida por papéis populares, já fez o mesmo questionamento que Mirinda? "Mais ou menos, porque me resignei lá no começo. Acho até que fui muito mais longe do que eu imaginava. Quando comecei, eu poderia ter ficado confinada ao humor".
Regina acredita que o humor sofria preconceito, sendo considerado um gênero menor, o que limitava grandes icônicos, como Chico Anysio, Renato Aragão e Tom Cavalcanti. Ela acredita que eles também poderiam ter se aventurado em outros gêneros, como o drama, mas reflete que o mercado não permitia, em especial, por serem nordestinos.
Orgulhosamente filha de pais nordestinos, Regina é carioca, mas apresenta traços considerados populares, o que impossibilitava de ser chamada para atuar como mocinha em novelas, séries ou filmes. No papo com Splash, lamentou estereótipos: "A cara de pobre é sinônimo de cara de nordestino. E ser nordestino joga você para o humor imediatamente. Só o fato de você ter um sotaque já é uma palhaçada para eles [o mercado], uma coisa caricata, que você não pode ser levado a sério. Pensa um pouco sobre isso. É uma maluquice".
Ela ainda problematiza sobre o termo mocinha, usado normalmente para se referir à protagonista de uma novela. "A mocinha tinha que ser novinha, loirinha e de olho azul, tinha que parecer que nasceu na Europa, o mais longe possível da maioria absoluta das mulheres no Brasil. Logo vi que não seria uma mocinha da novela. Fui inventar o meu próprio espaço".
O mundo piorou em várias questões, mas, pelo menos no aspecto das pautas identitárias, melhorou muito. Por exemplo, a minha filha é surda e acabou de ser protagonista de um filme. Eu tenho tido papéis muito melhores na maturidade, agora aos 70, do que quando eu era nova. Porque para ser a mocinha da novela não tinha como, com a cabeça de Ademar [avô], a orelha de Adevir [tio] e o queixo de Adejar de Caruaru [tio], não dava para ser a mocinha da novela. Agora, mais velha, tenho a Dona Lurdes, tenho a Zoé, tenho a Mirinda... O mundo deu uma melhorada nesse sentido. Além disso, a idade contribuiu: tudo bem uma pessoa da minha idade ter essa cara, mas a mocinha da novela, não... Regina Casé, aos risos
Saudades do Esquenta
Outra experiência dominical de Regina foi o programa Esquenta, que marcou às tardes da emissora entre 2011 e 2017. Ela conta ser cobrada pelos fãs para retomar com o projeto. "Nos lugares em que trânsito, em especial, na Bahia e no subúrbio do Rio de Janeiro, eu quase apanho das pessoas: 'por que não volta o Esquenta?', elas me perguntam.
Durante sete anos, o Esquenta foi muito importante e proporcionou avanços. A música produzida na periferia nem era considerada música. Qual era a quantidade de pessoas pretas na TV? Esquenta foi importante, não tenho a menor modéstia em afirmar isso. Hoje em dia, quando eu vejo o avanço da representatividade, fico feliz pelo trabalho que a gente impulsionou lá atrás. Regina Casé