Coppola avalia capitalismo: 'Mais fácil vender para pessoas infelizes'
Francis Ford Coppola, 85, lança "Megalópolis", filme que se tornou famoso antes mesmo de chegar aos cinemas pela longa trajetória percorrida para finalmente estrear.
A produção é a realização de um projeto que o cineasta desejou criar há mais de 40 anos, mas não encontrou um parceiro interessado em produzi-la. Por isso, o diretor decidiu usar o próprio dinheiro e prestígio para desenvolvê-la, descrita como um verdadeiro épico.
O título se passa na cidade de Nova Roma. É o cenário do conflito entre Cesar Catilina (Adam Driver), um artista e cientista idealista que sonha com melhorias, e o ganancioso prefeito Franklin Cicero (Giancarlo Esposito).
Em conversa com Splash durante a passagem do diretor pelo Brasil, ele defende que "Megalópolis" é sobre a liberdade de expressão dos indivíduos de questionar não apenas o futuro, mas também o que acontece em uma sociedade capitalista. "Precisamos de um grande debate sobre o futuro e queremos que todos no mundo participem desse debate."
Para Coppola, é preciso entender o porquê de não questionarmos a publicidade ter a liberdade de dizer às pessoas de quais bens elas precisam para serem felizes. "Somos mantidos infelizes porque, provavelmente, é mais fácil vender coisas para pessoas infelizes. Temos todos esses gênios e eles não sabem disso. Eles realmente estão sendo reprimidos, porque assim são mais suscetíveis às compras. Hoje você não pode dizer ao mundo que as pessoas são gênios porque como você faz com que os gênios se alinhem e sejam tosquiados como ovelhas?", questiona.
Somos mantidos infelizes porque é mais fácil vender coisas para pessoas infelizes. Francis Ford Coppola
Em "Megalópolis", é pulsante a questão política e de guerra de poder e, para o cineasta, é uma parábola sobre como Roma costumava ser o centro e a concentração de todo o dinheiro do mundo, e como agora isso acontece nos Estados Unidos. "Costumavam dizer que todos os caminhos levavam a Roma. Após a Segunda Guerra Mundial, todos os caminhos levam aos Estados Unidos."
O acúmulo de poder e força leva a conflitos que, segundo Coppola, podem destruir o mundo. "São as crianças que vão herdar esta bagunça."
Curitiba
Durante a conversa, Francis Ford Coppola falou sobre a inspiração em Curitiba para a concepção da cidade de Nova Roma. Para Splash, ele conta que foi a "experiência mais impressionante que tive", e que o protagonista Cesar tem características de Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná, pois o político tinha ideias inovadoras e sustentáveis para a cidade. "Há muito de Jaime Lerner e de Curitiba em 'Megalópolis'."
O diretor chegou à cidade paranaense quando procurava lugares que tinham ideias utópicas para o bem-estar de suas populações. No caso de Curitiba, o que chamou a atenção de Coppola foram os projetos que envolviam reciclagem de lixo, redistribuição de alimento e transporte público.
Legado do Cinema
No momento em que estamos sentados aqui, duas coisas maravilhosas estão morrendo: uma é o jornalismo e a outra é o sistema de estúdio de fazer filmes.
Francis Ford Coppola
Ele justifica a falta de fontes identificadas e os títulos considerados caça-cliques como culpados pela "morte" do jornalismo. Já sobre os estúdios, o diretor culpabiliza a necessidade das empresas de entregarem lucros —ou são demitidos—, e por isso são obrigados a fazer produções que sigam uma fórmula já conhecida de sucesso.
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Quero receberO cineasta, porém, mantém a visão de que o jornalismo pode renascer "de outra maneira", assim como o cinema deve se reinventar. "Cinema não permanece o mesmo, e não consigo imaginar quais filmes nossos netos farão, mas sei que será maravilhoso. Haverá jornalismo, e talvez algum novo tipo de sistema de estúdios."
Estamos cercados pela geração jovem, e eles são tão talentosos e fazem as coisas de maneiras diferentes. Para mim, o que eu mais peço do novo cinema, é que me convide para um mundo que eu nunca conheceria, e que me faça conhecer pessoas que nunca saberia o que sentem.
Francis Ford Coppola
Entre os novos diretores, Coppola enaltece a própria filha, Sofia Coppla, e outros nomes: Sean Baker, a dupla Daniels, Denis Villeneuve, Jane Campion, Gessica Généus e Tamara Jenkins.
Quanto ao declínio da mídia física, Coppola é positivo ao vislumbrar um futuro no qual o sistema de pay-per-view (em que o usuário paga para assistir ao título individualmente) será o predominante. No caso de "Megalópolis", ele já avisa que não disponibilizará o filme em catálogos de streaming a partir de assinaturas.
Coppola no Brasil
O diretor está em São Paulo para receber o Prêmio Leon Cakoff da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. A entrega ocorreu nesta quarta-feira (30), durante a cerimônia de encerramento do evento. Em seguida, "Megalópolis" foi exibido.
A 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo aconteceu entre os dias 17 e 30 de outubro de 2024. Fizeram parte do circuito diferentes salas de cinemas, espaços culturais e CEUs espalhados pela capital paulista, incluindo exibições gratuitas e ao ar livre. A seleção deste ano contou com 417 filmes de 82 países.
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