Monótono, álbum de eletrônica em homenagem a Senna promete, mas não cumpre

Ideias inovadoras e inusitadas são sempre válidas. Mas ser original nem sempre significa ser bom, ou pelo menos não é garantia que o resultado será bom. "Senna Driven" é um exemplo. O anúncio de um álbum musical em que alguns dos maiores nomes do pop eletrônico criariam faixas utilizando samples de declarações gravadas por Ayrton Senna prometia muito. Mas não cumpre.

Nascido de uma colaboração entre a Universal Music Brasil, a Bulldozer Network e a Marca Senna, o projeto reúne 33 artistas de 13 nacionalidades diferentes. E é uma turma da pesada, entre DJs e produtores. Tem Alok, Armin Van Buurem, Nervo, Anderson Noise e outros consagrados.

A presença de tantas estrelas se justifica porque 2024 marca os 30 anos da morte do piloto. E o álbum chega às plataformas nesta sexta-feira (1º), dois dias antes da realização do GP Brasil desta temporada Fórmula 1. Enfim, um cenário bem favorável para o lançamento.

No entanto, o álbum cai em certa monotonia, porque praticamente todas as faixas seguem o mesmo formato: uma abertura com Senna falando alguma coisa, tanto em português quanto em inglês, já com batidas ao fundo, seguida por uma música convencional de pop eletrônico. E isso se repete por mais de 20 faixas. Fica tão monótono quanto uma corrida vencida de ponta a ponta, sem que nenhum outro piloto pressione o líder.

"Senna Driven" sinaliza algumas propostas relevantes. Por exemplo, aproximar o mito Ayrton Senna de um público mais jovem. Uma grande parte do público do som eletrônico, talvez até sua maioria, nem tinha nascido quando Senna morreu em um acidente no GP de San Marino de 1994, já um tricampeão mundial.

Outra preocupação dos artistas está na escolha de frases inspiracionais coletadas de inúmeras entrevistas com o piloto. O tema geral do álbum, por assim dizer, é a questão da superação, da força de vontade para conseguir o melhor de cada um. Alguns optaram por frases que tratam de questões religiosas. Alok é um deles, com "Driven By Faith" (traduzindo, "guiado pela fé").

Mas tantas boas intenções esbarram realmente na qualidade final do produto, musicalmente falando. Mesmo gente que faz a mais poderosa música eletrônica do planeta deixa transparecer um pouco de preguiça. Na maioria das faixas, fica a impressão de que, após o desafio de achar um áudio bom de Ayrton, o resto foi gravado logo numa primeira ideia, sem muita maturação. Tudo simples demais.

Quem decidir escutar, por exemplo, "Velocidade", irá à faixa com muita curiosidade de ver o que saiu da união da Cat Dealers, dupla de irmãos brasileiros, com as irmãs australianas do Nervo. Afinal, todos do primeiro time mundial dos beats. Mas o resultado é apenas razoável. Isso se repete com o holandês Nicky Romero, em "Fly", e os mexicanos Tom & Collins, na faixa "A Lap Ahead".

Mas alguns nomes mostram um bom serviço. O alemão Topic, com ajuda do sueco A7S, traz vigor com "Motivation (Show Me Your Heart)", na qual opta por uma batida mais pesada do que o som que transparece nas outras faixas e pela utilização de um vocalista para cantar alguns versos, num dueto com as frases pré-gravadas por Senna.

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O destaque do álbum é, sem sombra de dúvida, a faixa "Closer to God", de Gui Boratto. Grande nome eletrônico brasileiro, ele consegue, entre todos, o melhor aproveitamento das frases de Senna. Não se contentou em colocá-las sobre a base musical. Tratou de juntar sons com aberturas para encaixar criativamente as palavras do piloto. Exagerando um pouco, dá a até a impressão de que Senna está ali quase transformado em rapper.

Deslizes e pouca intensidade à parte, é um disco que pode divertir quem se rende facilmente ao som eletrônico. Mas talvez tenha muito pouco a acrescentar a um fã de Ayrton Senna além de mais um item de colecionadores de lembranças do campeão. Numa análise final, é possível dizer que, nessa transição das pistas de corrida para as pistas de dança, faltou acelerar um pouco mais.

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