Contra 'país preconceituoso', Fábio Kabral une orixá e fantasia em livro

Em meio a divindades e humanos, um menino órfão e uma princesa se juntam para combater uma hierarquia repressora e espíritos malignos que ameaçam o reino onde vivem. Este é o enredo de "Sopro Dos Deuses: Os Ancestrais do Amanhã", livro brasileiro de fantasia épica que aborda com originalidade os Orixás, divindades de origem africana que representam forças da natureza.

Escrita pelo carioca Fábio Kabral, 43, a obra tem um papel fundamental na luta contra a intolerância religiosa no Brasil. Diferente do que é consumido em sua grande maioria, o livro se afasta do imaginário popular de fantasias baseadas em lendas europeias; como as conhecidas narrativas de "O Senhor dos Anéis" e "A Guerra dos Tronos".

As pessoas não pensam em utilizar o potencial dos Orixás. Elas querem seguir o mainstream, como se fosse o segredo do sucesso. Mas, se você fizer uma história bem feita, mesmo que isso seja arriscado, pode dar muito certo. Fábio Kabral, em entrevista exclusiva para Splash

Lançado pela editora Intrínseca em junho de 2024, o título busca promover empatia e aceitação das diferenças, mesmo que possa ser recebido com negativas por parte do público, diz o autor. "Sei que há pessoas que não chegarão nem perto do livro, principalmente em um país racista e preconceituoso como o nosso. Mas, faço o que acho certo, independente do que as pessoas podem achar."

Fábio Kabral, autor de 'Sopro dos Deuses'
Fábio Kabral, autor de 'Sopro dos Deuses' Imagem: Sonata Audiovisual/ Divulgação

Segundo levantamento do UOL, somente no primeiro semestre deste ano, o número de violações à liberdade religiosa no Brasil chegou a 1.940 registros no Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos. Esse dado representa 91% do total de violações desse tipo em 2023. Religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, estão entre as cinco mais seguidas no Brasil, com mais de um milhão de adeptos, diz o IBGE.

Alta fantasia

No livro, o solitário Kayin vive o luto pela morte precoce da mãe enquanto lida com abusos constantes por parte de seus superiores na hierarquia dos odessi, povo caçador descendente do Orixá Oxóssi. Já Ainá sofre pressões semelhantes em meio às feiticeiras de Ijexá, filhas da Orixá Oxum. A questionadora princesa se recusa a fingir que incorpora sua orixá apenas para manter as aparências nos rituais da família real.

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Subjugados pelas tradições, os jovens guerreiros têm dificuldade em fazer aflorar seus poderes. Além disso, compartilham memórias de infância estranhamente parecidas, envolvendo o perigoso reino flutuante de Ketu, um pássaro misterioso e um ebó fracassado, única oferenda capaz de proteger o mundo da escuridão.

Kabral defende que "Sopro Dos Deuses: Os Ancestrais do Amanhã" não se trata de um livro religioso, mas sim de uma narrativa criativa de alta fantasia. "Para escrever a história, tinha que colocar alguma cultura ali, mas eu não quis colocar algo eurocêntrico, da qual não descendo. Por isso, quis me inspirar no Axé, e isso não quer dizer estar em uma prisão criativa."

Iniciado no candomblé há sete anos, o autor não fez um manual sobre a religião. Muito do que está no livro é derivado de sua criatividade. "Pego o que é real, o que realmente interessa para a história, e coloco, como o funcionamento da hierarquia, o nome dos cargos, o respeito aos mais velhos, o funcionamento. Então, adiciono o que é ficcional, que são, obviamente, os aspectos mais fantásticos. A pessoa voar, lançar bola de fogo ou raio, invocar monstros, ritual de combate? Tudo isso é fictício e clichê de fantasia."

Fábio Kabral é iniciado há sete anos no Candomblé
Fábio Kabral é iniciado há sete anos no Candomblé Imagem: Sonata Audiovisual/ Divulgação

Em "O Caçador Cibernético da Rua Treze", lançado em 2019, também pela Intrínseca, Kabral já abordou aventuras envolvendo o axé, mas por meio da estética Cyberpunk. "Brinquei com a ideia de imaginar grandes corporações como terreiros de candomblé, mas percebi que isso não ficou muito nítido, as pessoas não pegaram muito a ideia. Então, em 'Sopro dos Deuses' dei um passo além: 'e se terreiros de candomblé fossem reinos?'. Os reinos que aparecem no livro, eles seguem a mesma lógica de um terreiro de candomblé."

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Por fim, a partir da comparação, o autor apresenta não apenas o lado bom dos terreiros, mas também tece críticas às falhas que existem no espaço sagrado. "Coloquei comentários ao sistema, às pessoas e a como as pessoas lidam com o sistema. Tem muita crítica à hierarquia, mas é direcionado à maneira como as pessoas lidam com a hierarquia", conclui.

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