'Desafio gigante': quadrinista 'quase brasileiro' sobre HQ com Tom Hardy
Tom Hardy é um daqueles atores que consegue transitar do pop ao cult. Em sua carreira, já teve indicação ao Oscar, por "O Regresso"; papel em "Peaky Blinders"; colaborações recorrentes com o diretor Christopher Nolan; e até três lucrativos (e duvidosos) filmes do "Venom". Agora, Hardy se lança ao mundo das histórias em quadrinhos com "Arcbound" —ficção científica que é ilustrada por um artista brasileiro.
Bom, talvez "brasileiro" não seja a melhor forma de definir Ryan Smallman que, como indica seu nome, nasceu nos Estados Unidos. Mas isso é só um detalhe: o ilustrador reside na cidade de São Paulo, fala português perfeitamente, é casado com uma brasileira, e ainda cresceu em Bauru, no interior do estado.
Quadrinista amador?
"Passei a maioria da minha vida no Brasil, mas oficialmente eu sou gringo, estadunidense. Minha família veio ao Brasil em 2000, quando eu tinha seis anos", explicou o artista para Splash. "Minha primeira infância foi nos Estados Unidos, e em casa, com os meus pais, era tudo em inglês, uma bolha de cultura americana, mas aí fui para escola brasileira e cresci com amigos brasileiros. Hoje, a maioria dos meus amigos esquecem até que eu não sou brasileiro, e eu também."
Recém-lançada nos EUA, "Arcbound" se passa em um futuro em que a humanidade se instalou no espaço, mas ainda briga por recursos. A trama segue Kai, soldado do exército particular da corporação Zynitec, que bate cabeça com diversas colônias humanas na extração de uma preciosa fonte de energia, conhecida como Kronium. Quando questiona seu violento papel, Kai se vê traído pelos empregadores e é jogado em uma jornada de descobrimento com entidades misteriosas e o estranho poder da tecnologia.
Smallman ilustra todas as 12 edições da série, que é escrita pela dupla Scott Snyder (de "Vampiro Americano") e Frank Tieri ("Wolverine", "Homem de Ferro"), com colaborações narrativas por Tom Hardy. Curiosamente, esse é o primeiro grande trabalho de ilustrador nas HQs, que até então havia apenas feito um quadrinho independente, de edição única, chamado "Busker". Inclusive, por conta disso, chegou a rejeitar o projeto por não ser da área de quadrinhos.
No início de 2023 veio um email falando que tinham esse projeto com esses autores legais, e tinha o envolvimento do Tom Hardy, o que achei inusitado. A princípio, meio que ignorei, e eu até cheguei a rejeitar quando vieram outros emails, disse que não era para mim porque não sou quadrinista. Ryan Smallman
Mas como é que um quadrinista amador chega a atenção de um ator de Hollywood e de dois escritores premiados? Bom, Ryan Smallman frequentemente desenha para grandes estúdios de cinema, como artes oficiais de "Duna" para a Warner Bros., e de "Fallout" para a Amazon Prime Video. Mas seu bilhete dourado veio dos trabalhos que fez para "Fortnite", com artes que podem ser desbloqueadas para adornar as telas de carregamento do popular game online.
"Foram insistindo, falando que o meu traço é o que queriam", conta Smallman. "Tinham conhecido meu traço pelo trabalho que fiz para ?Fortnite?, especificamente uma tela de carregamento com os personagens da Marvel lutando contra os personagens do jogo", relembrou o artista. "Eles viram aquilo e falaram que eu era a primeira opção deles. Fizemos uma chamada onde explicaram que o Tom Hardy era amigo dos investidores, e que eles queriam criar um videogame, mas optaram por começar com um quadrinho para criar a propriedade intelectual."
Smallman ainda teve bastante liberdade criativa e voz nas decisões do projeto. "Fui vendo que era um projeto real, com muita ambição para isso ser um universo, e eles queriam me dar as chaves desse veículo, falando: 'Leva isso para onde você achar melhor', tanto no design de personagens quanto na construção do mundo todo", contou. "Deixaram cada detalhe desse mundo para eu criar. Foi uma honra mas, ao mesmo tempo, um desafio gigante. Nunca tinha tido essa responsabilidade."
Trabalhando com Tom Hardy
Ainda que seja talentoso, é fato que Tom Hardy não é um escritor, e isso foi uma preocupação do restante da equipe, segundo Smallman. "Inicialmente, marcamos um papo com todo mundo: os investidores, os roteiristas, o Tom Hardy e o editor, só para trocarmos ideias. Eu, Scott Snyder e Frank Tieri já havíamos nos falado, e estávamos pensando: 'Caraca, o que o Tom Hardy vai fazer nisso tudo?'"
Felizmente, a primeira reunião fez o ceticismo sumir, já que o ator se mostrou muito entusiasmado pelo projeto. Ele abordou "Arcbound" da mesma forma que faria para um papel na TV ou no cinema.
Nesse primeiro papo, ficamos umas quatro horas trocando ideias. Tom Hardy entrou e ficou lá falando sobre o que é a humanidade, o que é perder a humanidade e o que é a tecnologia nisso tudo. Senti muito que o lado dele vinha de uma forma filosófica, ele estava pensando como ator, então pensava na motivação dos personagens, no lado emotivo: as motivações, os conflitos. O cara é uma enciclopédia de filosofia e referências. Inicialmente, o que trouxeram para eles era uma ideia mais superficial de ficção científica. Acho que o Tom Hardy trouxe esse 'tempero humano' que fica claro no texto.
No fim das contas, Hardy até pediu que fosse creditado de forma que não roubasse os holofotes dos demais membros da equipe. "Ele foi muito gracioso em dizer que não é escritor. Tínhamos o creditado assim, mas acabamos encontrando o título de 'contribuidor'. Ele trouxe um lado pessoal para o projeto que foi muito legal!"
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Até o momento, só a primeira das 12 edições de "Arcbound" foi publicada —nos Estados Unidos. Não há previsão de lançamento no Brasil, o que deixa Ryan Smallman um pouco inquieto. "Estou com um tremendo 'FOMO' [sigla em inglês que diz ?Medo de Ficar de Fora?] porque estou aqui em São Paulo e não lançou no Brasil ainda, não temos previsão imediato, mas estou trabalhando nisso, para chegar aqui em português. Lançou lá fora e estou vendo pela internet o burburinho do que as pessoas estão achando, e sinto que estou na janela com o binóculo vendo os comic shops, as pessoas lendo e tentando imaginar como está lá na prateleira", falou, aos risos.
As primeiras reações foram muito animadoras ao artista, que exaltou o trabalho dos roteiristas para tornar palatável o mundo complexo da aventura. "É uma primeira edição muito densa, tem muita coisa que é apresentada. O Scott e o Frank conseguiram dar uma introdução concisa para um mundo complexo, e as pessoas estão gostando, curtiram os personagens e já sentiram a contribuição do Tom Hardy nos conflitos e na parte mais humana. Adoraram também o meu estilo, que embora seja voltado para o quadrinho, não é o mais convencional. Eu tenho um traço que é bem estilizado, cartunesco e meio torto, diferente."
É legal ver que as pessoas abraçaram! Alguns estranharam no começo, mas pegaram o gosto do meio para o fim e estão ansiosos para ver o resto. Muito feliz com a recepção que as pessoas estão tendo para um projeto ambicioso. A gente trabalhou até os últimos instantes arrumando diálogos, quadros e cores, e estou muito contente de ver que esse trabalho valeu a pena.
Ainda sem previsão de chegada ao Brasil, "Arcbound" pode ser lida em versão digital, tanto na Amazon quanto no aplicativo da editora Dark Horse Comics, em inglês. Mas Ryan Smallman quer que o público brasileiro possa curtir a obra no próprio idioma. "Estou conversando com algumas editoras", garantiu.
"Nós provavelmente vamos esperar algumas edições acumularem para lançarmos uma coletânea aqui no Brasil, aí os fãs brasileiros podem pegar já o arco completo ou então dividido em duas partes. É uma prioridade que eu tenho, até para ter uma edição daqui, do lugar de onde eu sou."
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