Pastor cancelado pela igreja inspira Caetano em turnê, quem é Kleber Lucas
Colaboração para o UOL
17/12/2024 05h30
Durante a turnê com sua irmã Maria Bethânia, que chegou a São Paulo no último sábado, Caetano Veloso tem incluído no repertório a canção "Deus Cuida de Mim", composta pelo pastor e músico gospel Kleber Lucas, que enfrentou o bolsonarismo, atraindo a ira dos evangélicos radicais.
O que aconteceu
Kleber Lucas, uma das maiores estrelas do gospel nacional, uniu forças com Caetano Veloso para regravar "Deus Cuida de Mim". A canção recebeu o título de "Cristã do Ano" no Prêmio Multishow 2023, gerando controvérsia no meio evangélico devido ao posicionamento político e à colaboração com um artista de fora do segmento religioso.
Nascido na favela da Coreia, em São Gonçalo, Kleber cresceu entre a fé pentecostal e as tradições do candomblé. Essa vivência moldou seu compromisso com o diálogo inter-religioso e a inclusão. Ele é pastor da Igreja Batista Soul e um ativista contra o fundamentalismo religioso que domina parte das igrejas brasileiras.
A regravação de "Deus Cuida de Mim" foi lançada em dezembro de 2022. A música foi composta por Kleber Lucas e havia sido lançada originalmente em 1999. Kleber tem mais de 30 anos de carreira e milhões de discos vendidos.
Em entrevista ao Fantástico, Caetano foi questionado sobre o motivo de ter gravado a música. "Eu acho que foi Deus", respondeu. Ao receber o prêmio, Kleber defendeu a convivência harmoniosa entre diferentes crenças.
Eu sou mais um filho da favela. (...) Muitas vezes a gente não tinha o que comer e nem onde dormir. Nesses momentos, era na igreja Assembleia de Deus ou nos terreiros de candomblé lá da favela da Coreia onde eu nasci, em São Gonçalo [onde conseguíamos ajuda]. Essa música e esse momento representam a possibilidade de diferentes crenças poderem viver de forma harmoniosa e respeitosa.
Kleber Lucas
Desgaste e boicote
A relação de Kleber com o meio gospel se desgastou durante a ascensão do bolsonarismo. Em 2022, ele lançou "Messias", uma música que criticava a politização da fé e denunciava privilégios fiscais a lideranças evangélicas. "Eu não vou me calar com pastores que fazem arminha com a mão", diz a canção, ecoando sua insatisfação com o uso político da religião.
Por apoiar Luiz Inácio Lula da Silva e rejeitar a instrumentalização da fé, Kleber foi boicotado por pastores e perdeu convites para apresentações. "Muitos queriam que minha vida terminasse ali", ele confessou, refletindo sobre as dificuldades impostas pelo cancelamento.
Após o boicote das igrejas, Kleber, que também é doutorando em história, enfrentou dificuldades financeiras e isolamento. Sem convites para eventos e com a renda afetada, ele reafirmou sua fé: "Se uma porta se fecha aqui, outras se abrem ali", afirmou em entrevista à Folha.
A parceria com Caetano Veloso trouxe nova visibilidade, destacando sua mensagem de amor e reconciliação. "Foi um resgate não apenas artístico, mas espiritual", afirmou.